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Por Fernanda Carvalho
Jornalista, ativista do movimento negro em Porto Alegre
Meses atrás assisti ao filme Elis no cinema. Queria saber mais sobre a vida dessa mulher icônica e conhecida tanto pelo talento musical como pela personalidade forte. Entre os trailers antes do filme, estava "Estrelas Além do Tempo" (Hidden Figures). Fiquei tão hipnotizada que cheguei em casa e fui procurar mais informações.
Dirigido por Theodore Melfi, é baseado na história real de três matemáticas negras – Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson – e os preconceitos enfrentados por elas nas décadas de 50 e 60, quando trabalhavam para a Nasa. Era o auge da segregação racial nos Estados Unidos.
O trabalho dessas três mulheres foi imprescindível para que conquistas como o retorno seguro dos tripulantes do Apollo 13 à Terra ou a chegada do homem à Lua tivessem sucesso.
Nunca ouviu falar delas? Estranho, não? Pois é! Não por acaso, o título em inglês, Hidden Figures, significa "figuras ocultas" ou "escondidas".
Apesar de eu ser uma mulher negra, como elas, confesso que até para mim é complicado dimensionar como deve ter sido difícil. Acredito que tenha sido muito mais árduo do que ter de andar mais de um quilômetro para ir ao banheiro destinado aos profissionais negros ou ser confundida com a "moça da limpeza", ocupação da esmagadora maioria das mulheres negras à época, como se vê no trailer.
Por mais que a história do filme pareça distante de nós, seja pelo tempo ou por vivermos em outro país, há algo que ainda é tão comum nos dias de hoje como era naquela época. Mais de 60 anos se passaram e ainda é uma realidade esta falta de reconhecimento às mulheres negras que se destacam em áreas profissionais nas quais há prevalência de homens brancos.
As barreiras de raça e de gênero não ficam mais fáceis à medida em que vão sendo transpostas. Também temos que encará-las quando ousamos chegar no topo – porque, para muitos, uma mulher negra em posição de liderança é uma ousadia (e não no sentido positivo da palavra).
Para quem não sente na pele, parece que nessas posições as adversidades somem. Só que não: são outras adversidades, mas seguem exigindo de nós um posicionamento quase que diário, inclusive para provarmos que também somos capazes de estarmos ali.
Não reconhecer a competência de profissionais pelo fato de serem negros, onde somos a exceção, tem duas consequências bastante contundentes, que vão além da tentativa de desencorajar simplesmente.
Uma seria reforçar entre as pessoas não-negras de que somos minorias por falta de competência nossa: se ainda somos poucas, é por conta da falta de oportunidade. Se hoje é permitido usarmos os mesmos locais físicos, os espaços de acesso ainda são restritos aos negros como resultado de uma exclusão social, e muito mais ainda às mulheres negras. Ainda são corriqueiras as dificuldades que as personagens do filme enfrentaram para concluírem suas graduações: naquela época, sequer era permitido o acesso de negros a níveis mais altos de ensino.
Outra consequência é a manutenção entre nós da crença de que determinados espaços não são para pessoas negras. Casos de superação e sucesso como os do filme são desconhecidos inclusive por nós. Isso desvirtua nossa verdadeira história, nos faz acreditar que uma caminhada que é longa seja ainda mais difícil e tira de nós a grandeza de termos uma representatividade que, apesar de ainda ser pouca, é nossa.
Katherine, uma das inspirações para o filme, somente no ano passado entrou para a lista de cem mulheres mais inspiradoras e influentes escolhidas pel a BBC.
Dorothy e Mary seguiram suas carreiras até a aposentadoria, mas não estão mais entre nós para verem suas trajetórias serem contadas por Hollywood.
Se você está ouvindo falar delas pela primeira vez agora, fica o convite para prestigiar essa homenagem tardia, mas merecida.
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