Inevitável lembrar o dia da votação do impeachment do Collor. A cada voto favorável à sua saída, eu aplaudia. Era 1992 e eu tinha certeza absoluta de que lado estava. Aliás, não havia divisão, era um processo apartidário. Todos os brasileiros estavam do mesmo lado.
Hoje, o país vive situação similar, mas o país foi rachado em dois.
O discurso de Dilma no Senado, na segunda-feira, foi digno e sua disposição para o interrogatório, louvável. Estava me causando boa impressão, até que vieram as ameaças: se ela fosse deposta, adeus à democracia, seria o fim do país, nenhum contrato assinado teria mais valor.
A gente sabe que não é bem assim. Existe também a alternativa de o país seguir seu curso, fazer ajustes necessários, fortalecer a economia e respirar até a eleição presidencial de 2018. A não ser que a oposição se articule para tirar Temer do governo antes disso, uma ação que chamaríamos de quê? Revanche? Toma lá dá cá? Golpe? Direito constitucional?
Passei então a observar o outro lado do balcão e houve momentos em que concordei com alguns argumentos pró-impeachment, mas não senti a menor vontade de fazer parte daquela turma. Os que julgam Dilma também estão enrolados até o pescoço. Tanta retórica começou a me dar náuseas e percebi que não havia, ali, preocupação com o Brasil, e sim paixão pela política, pelo jogo, pelo poder.
No início da noite, uma câmera flagrou um cumprimento amigável entre Aécio e Dilma. Dava para perceber que sorriam. É isso aí. Tal qual a troca de camisetas entre jogadores ao fim de uma partida de futebol. Todos disputam a posse de bola em campo, mas, no final das contas, é só um esporte. Amanhã um pode estar jogando no time do outro.
É bem provável que a decisão já tenha sido tomada: Dilma saiu ou Dilma ficou. No momento em que escrevo, não sei. Tampouco consigo ter a certeza que tantos têm sobre o que é justo, neste caso, e o que não é. Segundo os comentários deixados nas redes sociais, voltaremos a ser uma ditadura, se ela sair, ou amargaremos uma crise sem fim, se ela ficar. Exagero. Não creio que haverá nem um grande atraso nem um grande avanço, independentemente do resultado. Então torço, antes de tudo, para que vença a lei.
Transformação, pra valer, virá com a continuidade do trabalho da Lava-Jato. Não se pode parar de punir quem roubou, seja de que partido for – começando por Eduardo Cunha. É a corrupção que tem que sofrer um impeachment colossal a fim de abrir caminho para uma renovação no nosso modo de fazer política. Só então evoluiremos, trocando gatunos por pessoas realmente comprometidas e mantendo dinheiro em caixa para investir num projeto de país que nos una de novo.