Como escritor, Zuenir Ventura cumpriu mais de uma vez a missão de explicar em livro coisas complexas, como o drama social que dividia o Rio de Janeiro (em Cidade Partida, de 1994) ou a efervescência, a inquietação e a tragédia da geração que sacudiu o Brasil a partir de 1968 (em 1968: O Ano que Não Terminou, de 1989). Prestes a completar 86 anos, Zuenir admite: o que acontece hoje no Brasil o venceu, e ele não está entendendo nada.
– Quando você descobrir, me explica – diz, citando o que vem respondendo a quem lhe pergunta sobre o que deve suceder no país no futuro próximo.Apesar de enxergar o quadro político como grave e definir o momento do Rio, sua cidade de adoção, como o "mais difícil" já enfrentado, Zuenir ainda encontra razões para otimismo. Para ele, o processo político e o terremoto provocado por escândalos de corrupção são dificuldades das quais o Brasil sairá melhor. Zuenir esteve em Porto Alegre no dia 26 para participar, com Luis Fernando Verissimo, Antônio Torres e Ignácio de Loyola Brandão, de uma homenagem a Moacyr Scliar.Na ocasião, concedeu a seguinte entrevista.
Ignácio de Loyola Brandão comentou que, nos anos 1970, era frequente ir a uma palestra para falar de literatura e acabar falando de política. O senhor tem sido solicitado a falar de política quando se apresenta para discutir literatura?
Eu preferia não falar de política, mas não tem como. Até porque tudo é muito confuso. Nos anos 1970, época da ditadura, era pior, devido à natureza do governo, mas você sabia mais ou menos o que vinha a seguir, que havia luz no fim do túnel.
Mesmo durante o período mais duro da ditadura?
Havia esperança, sim. "Amanhã vai ser outro dia", cantava o Chico. Você sabia que aquilo ia acabar. Hoje você não sabe quando isso tudo vai terminar e o que vem depois. Cada dia é uma surpresa. A coisa mais difícil, hoje, é falar de política.
No livro 1968: O Ano que Não Terminou, o senhor comenta que aquela geração lutou mais do que as que se seguiram por mudanças. Como vê a reemergência, nos últimos anos, de uma massa da juventude militante presente em manifestações?
É um ressurgimento, mas tem um risco, também. Já em 2013, depois daquela maior manifestação, começou o que, em 1968, se chamava de "descenso". Houve o surgimento e a infiltração dos black blocs, o quebra-quebra, e isso afastou muita gente. O grande risco hoje é que as manifestações começam pacíficas e acabam em quebra-quebra. Agora, isso precisa ser resolvido, porque a praça é do povo, e não dos vândalos. E ao mesmo tempo você precisa do povo na rua.
Ao mesmo tempo, o senhor mesmo comenta que, nos anos 1960, havia a discussão entre a opção pela luta armada e a opção pela luta política para enfrentar a ditadura. A vertente que defende o quebra-quebra nas manifestações não estaria pregando uma forma de luta mais agressiva, como naquela época?
É claro que há algum paralelo. A história do Brasil foi feita sempre com a participação dos jovens, dos estudantes, isso sempre foi inevitável. Mas há diferenças de contexto e, sobretudo, diferenças de geração. Naquela época, você tinha de fato uma ideia de "geração de 1968". Hoje, você tem tribos, e cada tribo é uma geração em si, e às vezes essas gerações se desencontram. Mas isso precisa ser resolvido. No caso da divisão daquela época entre os reformistas e os revolucionários, os partidários da luta armada, quem venceu foi a alternativa democrática. A ditadura acabou sendo derrotada não pela luta armada, mas pelo processo democrático.
O senhor alertou em um livro escrito no calor da hora para as mazelas do Rio de Janeiro como uma "cidade partida". Como vê o Rio hoje?
Meu sonho seria fazer uma sequência daquele livro chamado Cidade Unida, mas é só olhar o noticiário e ver que hoje o Rio talvez seja um dos piores exemplos do que seria uma cidade unida. Você tem a violência, a crise econômica: é uma cidade realmente falida. Eu sou um otimista, no meu DNA já vinha inscrito que eu seria careca e otimista (risos). E o Rio é um cidade que sabe dar a volta por cima. Não é à toa que seu padroeiro é São Sebastião, que sobrevive cheio de flechas. Mas este é um momento muito difícil. Talvez seja o momento mais difícil pelo qual o Rio já passou em toda a sua história, porque você tem essa crise econômica e, além disso, tem a crise moral. Você tem o ex-governador preso, com nove processos – e a cada dia aparece um novo. É um momento muito desagradável para a cidade.
Ainda em seu livro sobre 1968, o senhor fala que aquela foi uma geração que experimentou de tudo para testar os limites da normalidade burguesa. O que ficou dessas experiência hoje, em que muito se aponta o surgimento de um novo conservadorismo, mesmo entre os jovens?
Há razões para esse desencanto. Há uma coisa que me preocupa muito nas pessoas mais novas de atualmente, que é o jovem desencantado, o que está abatido, apático, achando que não adianta fazer nada porque nada muda, o desencanto de que nada vale a pena. E o pior é que você olha a política do Brasil e conclui que ele tem razão. Mas eu acho que o Brasil vai sair melhor dessa crise. Outro dia o ministro Marco Aurélio (Mello) disse que “o Brasil está sangrando”. Eu acho que não está sangrando. Está purgando. Está saindo ainda o pus, é um processo infeccioso. Mas acho que isso acaba sendo melhor, porque você só cura o tumor, o furúnculo, espremendo o carnegão, e acho que a Lava-Jato está fazendo isso. É daí sairá um país melhor.