Um grande e belo lagarto, com talvez meio metro de comprimento, de vez em quando aparecia na nossa casa na praia. Ele passava do terreno baldio onde morava para o nosso jardim por um buraco no solo, junto ao muro de concreto que cercava o gramado. Cada vez que o lagarto surgia era uma festa. Minhas três filhas, na época ainda crianças, acompanhavam, alegres, sua lenta trajetória, que terminava quando, depois de caminhar rente ao muro, passava por baixo do portão de madeira e ganhava a rua. O tucano que nos visitava também era bem simpático. O lagarto, contudo, era tratado como um verdadeiro popstar. Não dava autógrafos para suas pequenas fãs porque tinha mais o que fazer.
Num lindo dia de sol, o lagarto apareceu mais uma vez. Alguém o viu e chamou toda a família. Já com as câmeras a postos, cinco pessoas aproximaram-se dele, mantendo uma certa distância, uns três metros, pois imaginávamos que o bicho, como todo popstar, gostava de atenção, mas deveria ter sua privacidade respeitada. O problema é que, na quina do terreno, o muro formava um ângulo de noventa graus. Para chegar ao portão, o lagarto tinha de ultrapassar essa quina e seguir em frente. Uma das crianças, para conseguir um bom ângulo fotográfico, barrou o seu caminho. O lagarto parou e olhou para os cinco seres humanos, sorridentes e simpáticos, formando um semicírculo em sua volta. Para o lagarto, a situação era óbvia: estava acossado e não tinha para onde fugir.
Foi tudo muito rápido: o lagarto ergue-se nas patas traseiras, inflou algum tipo de bolsa na lateral da cabeça e emitiu um silvo agudo e ameaçador. De repente, era um dinossauro, um tiranossauro prestes a atacar. Saímos correndo em debandada, rumo à segurança da nossa casa. Um verdadeiro salve-se quem puder. Com uma corrida ágil, o lagarto chegou ao portão de madeira e desapareceu. Nestes tempos em que assassinatos estúpidos acontecem quase todos os dias em Porto Alegre, é bom lembrar daquele lagarto. Qualquer animal, quando acuado, sem ter para onde ir, instintivamente reage com violência. Além de pedir mais vagas nos presídios, convém pensar nas imensas dificuldades de quem está acuado por uma sociedade que exclui e não oferece educação, emprego e moradia digna. Ou os lagartos continuarão a erguer-se e atacar.