Imagine o Opinião cheio em uma terça-feira à noite. Um dia chuvoso, no fim do mês. Em qualquer circunstância, preencher esse tradicional espaço de música de Porto Alegre costuma ser um sonho para bandas e artistas locais. Só que a finalidade do evento não era um show, mas ouvir a segunda parte de um disco.
A Fresno promoveu uma listening party nesta terça (24), no Opinião, da segunda parte do disco Eu Nunca Fui Embora. O evento teve como objetivo reunir fãs para ouvirem pela primeira vez o trabalho. É uma audição compartilhada, misturada com festa.
Porto Alegre foi a primeira cidade a receber a listening party da Parte 2 do álbum. Nesta quarta (25), o evento será realizado em mais de 30 cidades do Brasil e do mundo (o que inclui Irlanda, Portugal e Austrália). Com exceção da audição de São Paulo (SP), a banda não estará presente nos outros eventos deste dia. A sequência de ENFE chega às plataformas digitais nesta quinta-feira (26).
A banda repete a mesma divulgação realizada na primeira parte de ENFE, quando lotou casas pelo país para a audição simultânea do álbum. Na capital gaúcha, a escuta foi realizada na festa mEMOries, na casa noturna Cucko, com ingressos esgotados, contando com a presença de Lucas Silveira (voz e guitarrista). Desta vez, o restante do grupo — Gustavo Mantovani (guitarra) e Thiago Guerra (bateria) — também marcou presença.
Antes da audição do álbum, a DJ Natie Assis tocava hits do emocore nacional e internacional — de bandas como Paramore, NX Zero, Panic! At the Disco, entre outros. O público dançava e, eventualmente, fazia coro a refrões de sucessos.
Até que começou a tocar todas as sete faixas da primeira parte do ENFE, que estava fresca na mente e na boca dos fãs. Destaque para o clima épico de Era Pra Sempre, com uma pegada de hino e público muito envolvido, com direito a palmas no fim. "P* que pariu! É a melhor banda do Brasil, Fresno!", entoaram os presentes.
Às 21h15min, após o término da metade inicial do disco, a banda subiu ao palco. Entre uma brincadeira e outra, Lucas ressaltou que a segunda parte era para ter saído em junho, um pouco antes do show que seria realizado no Auditório Araújo Vianna nos dias 22 e 23. Com o adiamento por conta da enchente, o álbum foi postergado.
— A gente pensou: os caras merecem uma festa só para eles. O disco deu uma mudada também, pois foi ficando conosco. Só não esperávamos que fosse esse estouro aqui no "Opinas", onde a gente se apresenta desde 2004 — disse o vocalista. — Essa Bambonera clássica já recebeu os melhores shows que já fizemos na cidade.
Lucas aproveitou para convidar antigos amigos da banda para subirem ao palco. O que incluiu um ex-integrante, Pedro Cupertino, baterista do grupo até 2008.
Como foi a listening party de Eu Nunca Fui Embora - Parte 2 em Porto Alegre
Após uma contagem regressiva, a primeira faixa entrou um pouco adiantada. O jeito foi recontar e começar novamente. Então, A Gente Conhece O Fundo Do Poço foi apresentada ao público.
Contudo, após um efeito sonoro de sistema operacional, a faixa foi interrompida pouco depois da metade da execução. Lucas brincou:
— A gente gosta de uma coisa curta, que acaba do nada.
A música recomeçou novamente a partir da metade. De qualquer maneira, já na primeira faixa, os integrantes da Fresno se comportaram no palco como se comportariam ao longo da audição: dançaram, distribuíram autógrafos, posaram para selfies, interagiam com os fãs. Estavam se divertindo com a comunhão do evento.
A segunda faixa, Se Eu For Eu Vou Com Você, foi descrita como o "feat que faltava", mas sem anunciar o nome do participante. Antes de entrar a voz da parceria, a banda chegou a pausar a música para esticar o suspense. Quando os fãs reconheceram que era o NX Zero, na figura do vocalista Di Ferrero, a comemoração foi estilo torcida contemplada com um gol da vitória aos 50 minutos do segundo tempo.
— Finalmente um "megazord emo" foi montado — brincou Lucas.
A terceira faixa, Fala Que Ama, foi descrita como "sensual" pelo vocalista. Aqui um fã pediu para Lucas assinar sua carteira de trabalho, o que Lucas recusou em um primeiro momento, mas depois cedeu e autografou (ou contratou, vai saber).
Depois Essa Vida Ainda Vai Nos Matar, que tem parceria com a banda Dead Fish, alguém da plateia gritou: "Que música boa", ao que muitos concordaram.
Na sequência, a banda apresentou Diga, Parte Final, que tem parceria com a cantora Filipe Catto. Vale lembrar que Diga, Parte 2 é uma das faixas mais aclamadas pelos fãs e costuma ensandecer pistas em festas voltadas para o emo. Lucas explicou que a música fecha a trilogia trazendo o ponto de vista da mulher. Ao final, muitas palmas dos fãs.
Ao anunciar Canção Pra Quando o Mundo Acabar, Lucas brincou que sempre manteria o clima pesado e que a Fresno costuma apresentar músicas "esquisitas" no final de cada disco. Por fim, rolou a faixa bônus, Camadas, que tem parceria com Chitãozinho & Xororó. Como esse single saiu no começo do mês, além de ter uma primeira versão sem participações no ENFE Parte 1, a música já estava decorada pelos fãs, que cantaram junto.
Terminada a audição, Lucas agradeceu ao público e relembrou o período da enchente:
— Sei que cada um de vocês teve uma batalha desgraçada para vencer e ainda estão no meio dela. Poder tocar umas musiquinhas para a reconstrução de nosso mundo é, no mínimo, nosso dever. Obrigado por, há muito tempo, serem um público tão fiel, que não deixam a gente ir embora jamais.
Mas teve tempo para mais: a segunda parte de ENFE voltou a ser tocada desde o início, e a banda seguiu atendendo aos fãs.
Diferentes gerações
Em cada faixa apresentada, os fãs presente estavam bastante atentos, mas também balançavam o corpo, ensaiando movimentos de dança. Havia espaço para quem se emocionasse também. Ou abraçasse forte a sua companhia.
Era um público com faixa etária que partia dos 20 até beirar os 40. Alguns não eram nascidos quando a banda se apresentou pela primeira vez no Opinião, em 2004.
Entre os fãs da nova geração estava Arthur Silveira, 23 anos. Morador de Porto Alegre, ele trabalha como desenvolvedor de software. Ele começou a ouvir Fresno aos nove por influência de uma prima, que pertencia a um "grupinho emo". Conheceu a banda pelo hit Polo. Mais tarde, teve contato com o disco Vou Ter Que Me Virar (2021) e, a partir dali, passou a acompanhá-los em definitivo.
Era a segunda audição de Arthur, que esteve presente no evento de abril, na Cucko. Em relação à segunda parte do disco, Diga, Parte Final o marcou bastante, assim como a parceria com NX Zero.
— É uma experiência muito diferente, tu não sabes o que te espera. Quando rolou a Parte 1, a gente não sabia o que viria. Desta vez, tínhamos uma noção. Achei as músicas muito consistentes, diversos arranjos diferentes que a gente não esperava. Tanto pelas guitarras como pela bateria em si. Foi muito especial presenciar isso pela primeira vez antes de todo mundo — relata Arthur.
Por sua vez, a confeiteira Nina Teixeira tem 29 anos, sendo 20 como fã de Fresno. Moradora da capital gaúcha, ela viveu até os 18 anos em Cidreira, no Litoral Norte, e nunca tinha visto a banda ao vivo.
— Por isso estou com a maquiagem borrada, por isso estou louca. É a primeira vez que os vejo ao vivo em 20 anos acompanhando todos os trabalhos deles. Ou não tinha dinheiro para ir a um show, ou não dava porque estava trabalhando. Sempre foi uma confusão de coisas — conta.
Nina conheceu a Fresno por meio de um CD que veio em um convite de festa de 15 anos, com as músicas favoritas da debutante. A faixa nove era Onde Está. Ela guarda até hoje a mídia. Verá um show da banda pela primeira vez no Araújo, em novembro, mas quis ter um primeiro contato antes com a listening party. Aliás, a fã pensava ser difícil gostar tanto da segunda metade de ENFE quanto gostou da primeira, mas achou as faixas ainda melhores.
— Eles existem! Eles estão ali! Depois de tanto tempo… — suspira Nina. — Tenho muito orgulho dessa banda, que só traz vivências boas para a gente. Para mim, é um presente. Essa coisa do Eu Nunca Fui Embora é muito verdade, pois eles estão aí há 25 anos e nunca deixaram de estar.
Aquecendo lançamento e reunindo fãs
Eventos de audição têm se tornado uma alternativa de divulgação de um álbum para os artistas em tempos de plataformas digitais.
Em fevereiro de 2023, por exemplo, Paramore promoveu listening parties pelo mundo de seu disco This Is Why, realizado no Brasil em um bar de São Paulo (SP). Em agosto do ano passado, Jão levou 12 mil fãs ao Ginásio do Ibirapuera, na capital paulista, para ouvirem o álbum Super.
Outros nomes do cenário gaúcho também já promoveram eventos de audição. Um exemplo é a cantora Paola Kirst, que, no dia 13 de setembro, realizou uma audição comentada do álbum Redoma, no estúdio Pedra Redonda, na zona sul de Porto Alegre.
Sem contar os encontros independentes de fãs para ouvir um lançamento ou comemorar algum aniversário de um disco, há também festas da Capital que costumam promover audições. Para exemplificar, o coletivo Bronx tocou o Act II: Cowboy Carter, da Beyoncé, em abril, no Agulha.
"É muito simbólico que a gente junte essas pessoas para ouvir um disco numa festa", destaca Lucas
Em conversa com Zero Hora, Lucas destaca que a listening party esquenta um momento muito frio que é ouvir um lançamento digital em 2024:
— Não tem o calor de ir a uma loja, comprar um CD. Ou de ir lá ouvir às vezes antes de adquirir. Ver a matéria em uma revista sobre aquele disco, chegar em uma loja, não tem, daí você encomenda, o CD chega, você vai em casa e ouve aquele negócio. Agora, às vezes vou ouvir um disco novo e estou deitado na cama, de fone. Ou no carro no outro dia. Não é aquele "momentão" para ouvir música. A festa é uma tentativa de voltar a isso. A pessoa vai com os amigos, toma uma cerveja, no meio da semana, meio cedo. Às vezes os artistas que você gosta estão lá.
Para o músico, promover encontros físicos de fãs para ouvirem um disco novo pela primeira vez também é uma conquista. É um evento que sinaliza coisas positivas para um grupo com 26 anos de existência.
— Ainda estamos levando as pessoas a lugares para ouvirem nossos trabalhos novos. Muita gente se conheceu dentro do fandom da banda, casais se formaram, amizades aconteceram. É muito simbólico que a gente junte essas pessoas para ouvir um disco numa festa — celebra Lucas.