Por Hélio Fervenza*
Andar na corda bamba é um exercício delicado. É uma situação de deslocamento corporal que necessita equilíbrio e presença, e uma maestria na distribuição de tensões e pesos. É uma operação de risco que requer a anulação de forças contraditórias, e que implica criar e manifestar a sensação de leveza, jogando literal ou metaforicamente com a gravidade e a física das circunstâncias.
Deslocamento, equilíbrio, suspensão e movimento são atributos que podemos apreciar em obras do artista Rogério Livi, atualmente apresentadas em sua exposição Arte na Corda Bamba, no Espaço Força e Luz, em Porto Alegre, com curadoria de José Francisco Alves. A mostra reúne um conjunto de obras realizadas a partir de 2000, nas quais são utilizados materiais muito diversificados, tais como espinhos, bolhas de sabão ou espelhos, e procedimentos técnicos por vezes inusitados e fora das classificações artísticas tradicionais.
Assim podemos ver, logo na entrada desse espaço, a obra Arte na Corda Bamba II (2024), constituída pelo aro metálico de uma roda de bicicleta com seu garfo invertido, que conecta um banco de madeira logo abaixo. A roda equilibra-se sobre uma corda esticada entre duas paredes, que mantém os objetos suspensos a certa altura do chão. É uma obra com a qual podemos interagir, fazendo a roda deslizar ao longo da corda. Ela faz referência de uma maneira lúdica e bem-humorada ao célebre readymade Roda de Bicicleta, de Marcel Duchamp, considerada uma das primeiras esculturas cinéticas, ou seja, uma escultura na qual o movimento é parte integrante de sua estrutura e espacialidade. Mas também reverbera em nossa mente a associação com um equilibrista de circo, deslocando-se na corda bamba sobre um monociclo.
Em outro trabalho de Rogério Livi, intitulado Reanimação 1/24 (2024), vemos também uma referência à escultura cinética e aos móbiles do artista Alexander Calder. Mas, diferentemente dos móbiles, realizados com formas fluídas recortadas em chapas metálicas industrializadas, Livi utiliza galhos de bergamoteira em sua obra. Nela, um pequeno galho bifurcado com enormes espinhos é suspenso e posto em equilíbrio por meio de um arame em formato de gancho, apoiado no topo de outro galho que serve de base. Há o movimento que se manifesta novamente, circular, leve e delicado desta vez. Mas, sobretudo há uma estranheza, uma poética e uma singularidade que se criam nessa associação inusitada entre a estrutura da obra, similar a de um móbile, e sua surpreendente materialização com os galhos de bergamoteira. A ideia de reanimação presente no título seria o de dar outra vida, através do movimento, a esses galhos cortados? Ou seria a da reanimação do nosso olhar? Olhar para o mundo novamente, para as plantas, para o movimento do mundo não-humano?
Rogério Livi, em seu processo artístico, interessa-se por elementos vegetais (galhos, troncos, espinhos), os quais são também utilizados de forma direta, quase sem intervenções, em outras obras da exposição, como Reanimando o Pampa (2024), realizada com galhos de camboim, pitangueira e taquara, ou na instalação Voo II (2024), feita com galhos e papel de seda.
Esse uso bastante direto dos materiais pode auxiliar-nos a entender alguns aspectos fundamentais de seu exercício criativo. Ao olharmos para o conjunto das obras expostas, percebemos que elas enfatizam as propriedades intrínsecas aos elementos e materiais que as compõem, sejam eles naturais ou artificiais, com sua espacialidade, com seu peso ou sua leveza, sua textura, sua capacidade de estirar-se como uma mola ou refletir como um espelho.
Muitas vezes, as obras realizam-se pela manifestação física de suas propriedades, elas são essa manifestação mesmo, que é o que ocorre em Se a Loucura Continuar Só Eles Herdarão a Terra (2007), feita com bolhas de sabão tingidas de nanquim, que estouram deixando sua impressão sobre a folha de papel. As superfícies das bolhas de sabão são o resultado de um estado de equilíbrio de forças, pois há pressão dos dois lados de sua fina película. Ao estourarem, o papel recolhe as marcas da ação ocorrida, do efeito físico dessa minúscula explosão, desse instante decisivo e único que registra seu perfil, para ainda convocar um aspecto importante de sua produção: a temporalidade. Além disso, o tempo é assunto e elemento constituinte de trabalhos tais como Trajetórias (2008) ou 63 por Minuto (2012).
As obras de Rogério Livi possuem a delicadeza de um equilibrista de espaços, mas, também, de um equilibrista de tempos.
*Artista visual, doutor em Artes Plásticas pela Sorbonne, professor na UFRGS e na Universidade da República do Uruguai
Exposição
- Arte na Corda Bamba, de Rogério Livi
- Em cartaz até 9 de março de 2024
- Espaço Força e Luz (Rua dos Andradas, 1.223), em Porto Alegre
- Visitação de segunda a sexta, das 10h às 19h, e sábados, das 11h às 18h