As cacimbas (covas que recolhem a água dos terrenos pantanosos) desativadas há mais de cinco anos e até açudes barrentos voltaram a ter utilidade para as 40 famílias da Comunidade Quilombola Cantão das Lombas, em Capão da Porteira, a 45km do Centro de Viamão. Há pouco mais de um mês, os moradores enfrentam as torneiras secas desde que o sistema simplificado de abastecimento de água, construído pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), foi paralisado depois da queda de um raio.
Queimado, o motor responsável por captar e redistribuir a água nas casas precisa ser consertado pela prefeitura.
– Quando o problema foi mais simples, os moradores pagaram para consertá-lo. Agora, o motor precisará ser trocado. Calculamos que custará mais de R$ 5 mil, dinheiro que não temos – justifica o presidente da Associação Quilombola Cantão das Lombas, Edson Abreu Silva, 39 anos.
Leia mais
Calcule quando você poderá se aposentar se a reforma da Previdência for aprovada
Conheça a história dos últimos habitantes do Rincão do Inferno
Desde o início do problema, Edson conta que a prefeitura tem enviado caminhão-pipa uma ou duas vezes por semana. Porém, os 7 mil litros de água levados pelo veículo não são suficientes para abastecer toda a região por mais de um dia.
Um minuto de banho
Para poupar a água, a dona de casa Jéssica Rodrigues Gomes, 22 anos, tem lavado roupa apenas uma vez por semana. Até o banho do filho Henrique Gomes dos Santos, três anos, está racionado a um minuto no chuveiro. Para ficar mais tempo, o menino tem sido banhado na bacia.
– Temos uma caixa de 250 litros, que tento guardar ao máximo para alguma emergência. Guardo água nos baldes também, para lavar louça e para o banheiro, quando começa a faltar na caixa. É uma situação que já tínhamos deixado lá atrás e estamos revivendo – lamenta Jéssica.
Emergência
Até 2012, os moradores do quilombo não tinham água encanada e dependiam das cacimbas instaladas dentro das fazendas próximas e de terrenos vizinhos. A chegada da água potável trouxe tranquilidade por algum tempo. O custo da obra de implantação do sistema de abastecimento está indicado na placa ainda instalada em frente à casa de máquinas: R$ 407.820,19.
– Dizem que os quilombos têm prioridade para os órgãos públicos, mas o nosso está esquecido pela Funasa e pela prefeitura. Temos crianças e idosos que precisam do abastecimento. Necessitamos do caminhão-pipa, pelo menos, uma vez a cada 48 horas – reclama Edson.
Alheios à questão de quem deve consertar o equipamento estragado, moradores estão buscando alternativas de emergência. Há quem prefira, por exemplo, reativar cacimbas com mais de cem anos de existência. É o caso do agricultor Acilon Silva, 65 anos, que se mudou para o quilombo um mês antes do problema ocorrer. Quando as torneiras secam, ele atravessa uma cerca de arame farpado na fazenda vizinha e busca água de um buraco aberto no meio do hectare.
– Vou ferver bem para aproveitá-la. Dá até para cozinhar – acredita.
Já o serviços gerais Osnar Rodrigues, 57 anos, viu nos açudes próximos uma forma de recolher água, pelo menos, para a limpeza da casa. Mas até para lavar o rosto ela serve, garante.
– A gente precisa se virar enquanto não resolvem o nosso problema – justifica.
Problema longe de ter uma solução
- Por meio de nota, a prefeitura não deu a certeza de uma data para solucionar o problema do quilombo e informou que “a Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social abriu processo administrativo para contratação de empresa para fins de conserto e manutenção mensal do sistema de abastecimento de água. A previsão para a resolução dependerá do trâmite do processo administrativo”. A nota ainda ressalta que “o Município abastece a mesma (comunidade) com caminhões-pipa, tanto do município quanto da Corsan, de duas a três vezes por semana, quando necessário”.
- Além da questão da falta de abastecimento de água potável, os moradores do Cantão das Lombas ainda enfrentam o descaso da Funasa com relação à obra inacabada dos módulos sanitários domiciliares – banheiros revestidos com cerâmica e com vaso sanitário, chuveiro e pia – que seriam construídos em 25 casas do quilombo. Em outubro de 2013, a construtora contratada por meio de licitação abandonou a obra avaliada em R$ 150 mil. A Fundação informou que a construtora desistiu do projeto antes de receber qualquer quantia referente à obra.