A ideia cativa pela simplicidade: preencher uma bolsa com artigos de uso pessoal que possam ser úteis a uma moradora de rua. Postada por uma usuária do Facebook de São Paulo, a sugestão se multiplicou, com mais e mais entusiasmadas adesões, Brasil afora. No Rio Grande do Sul, as amigas Priscila Meira, compositora e produtora cultural, e Pâmela Marconatto Marques, socióloga, tornaram-se incentivadoras do movimento e criaram a página Como um Abraço Entre Amigas, onde estimulam as participantes a postarem fotos das bolsas que serão presenteadas.
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Sugere-se a inclusão de sabonete, desodorante, papel higiênico, absorvente, xampu, calcinha, chinelos. A criatividade é bem-vinda: há quem acrescente um livro, uma revista, um lanche. As organizadoras chamam a atenção para o único item que não pode faltar: o contato direto com a mulher em situação vulnerável que receberá o presente.
"Não se trata de largar sacolas de doação em um lugar pré-determinado. Não se trata de entregar uma moedinha na correria do dia a dia, diante de uma abordagem. Trata-se de um ato eivado de delicadeza, cuidado e afetividade, que requer algo mais: olho no olho, entrega na mão, de mulher para mulher. Uma palavra carinhosa, cumplicidade, reconhecimento! Quando me dirijo a alguém dessa maneira, reconheço sua humanidade, reforço sua dignidade - e a minha também!", detalha a página na rede social.
- Essas mulheres costumam ser tratadas como invisíveis, o povo passa reto. A bolsa tem essa coisa de mulher para mulher, elas se sentem muito felizes, valorizadas. Você está valorizando o feminino delas, a vaidade, a higiene - conta Priscila, 47 anos. - Temos de sair da nossa zona de conforto e acessar o outro. Quando quer, a gente tem tempo, sim - incentiva.
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A compositora aproveitou o período em que estava organizando sua mudança de endereço para rever o conteúdo de gavetas e armários. Localizou utensílios e produtos em bom estado e preparou as primeiras quatro bolsas.
- Estava lá o creminho para mãos que alguém que me deu e eu nunca abri. É um exercício de desprendimento. Se você tem três pares de chinelos, pega um e dá - diz Priscila.
Helena Dutra, professora de 63 anos, chegou até a página Como um Abraço Entre Amigas e se empolgou com a ideia. Convidada pelo filho para um passeio na Redenção, resolveu ir antes ao supermercado para rechear três bolsas. Comprou absorvente, creme e escova dental, desodorante e sabonete. Ao chegar ao parque, contou com a ajuda das netas, de quatro e cinco anos, para abordar as sem-teto.
- Posso te dar um presente? - perguntou uma das meninas, na primeira entrega, a uma catadora de material reciclável, que devolveu uma reação desconfiada, entre o medo e o espanto. - Olha que tem coisa dentro - orientou a criança.
Seguindo o passeio, a família repassou as outras duas bolsas.
- Não sei o que elas sentiram, mas eu me senti muito bem. Sei que tem gente que necessita. Fui muito criticada por ter feito isso. "Você acha que uma mulher de rua vai usar desodorante, escovar os dentes?", me disseram. Se vai ou não, não sei. É uma oportunidade que estou dando para elas, e eu me senti muito bem - relata Helena.
*Colaborou Manoela Tomasi
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A hora da entrega
Vanda dos Santos Pereira, 36 anos, moradora de rua do bairro Menino Deus, estava com o parceiro no colchão onde dormem, quando foi chamada por Lisa Adams, 68 anos, bibliotecária aposentada, que havia organizado uma bolsa recheada de esperança.
- Nossa, estou emocionada.
É muito bom saber que ainda existe gente boa. Olha, tem blusinhas para o fim de ano, xampu para eu me arrumar. É tudo ótimo e lindo - celebrou Vanda.
A moradora de rua, que utiliza o banheiro de um posto de gasolina para higiene pessoal, lembra a dificuldade em conseguir sabonete e absorvente, por falta de dinheiro.
- A farmácia até me vende pela metade do preço às vezes, mas tem coisas que a gente acaba não tendo condições de comprar e ficam em segundo plano - diz.
Com um abraço, Lisa e Vanda se olharam e se despediram, como em um encontro de amigas.
Boa ação
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Larissa Roso
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