Nos anos de Jair Bolsonaro no poder, integrantes da oposição costumavam ir a Washington para alertar para as ameaças do então presidente ao sistema eleitoral brasileiro e as tentativas de desacreditar as instituições.
Uma dessas viagens ocorreu em julho de 2022, quando deputados e senadores de esquerda tiveram mais de 20 reuniões com membros do Departamento de Estado americano e congressistas democratas como Jamie Raskin e Bernie Sanders. A ideia era pedir que o resultado da eleição presidencial daquele ano fosse imediatamente reconhecido para evitar tentativas de ruptura democrática.
Como se vê, não é nova a tática de buscar fazer barulho lá fora para chamar atenção aqui dentro do Brasil.
No entanto, a despeito de algumas viagens, a articulação da esquerda brasileira nos Estados Unidos não chega aos pés da sólida relação que a direita conseguiu costurar no país nos últimos anos, e que, agora, começa a dar frutos.
No mês passado, uma comitiva de deputados brasileiros liderada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) passou uma semana em Washington para tentar convencer os parlamentares republicanos de que o Brasil não é mais uma democracia. O que veio depois é conhecido: as denúncias do jornalista Michael Shellenberger de suposta censura no X (ex-Twitter), os posts de Elon Musk contra Alexandre de Moraes e, agora, o relatório com os despachos sigilosos do ministro do Supremo.
Essa tessitura começa pela relação de bolsonaristas com a alt right de Steve Bannon, passa pela interlocução com a Conferência da Ação Política Conservadora (CPAC), a penetração na Flórida, onde personalidades como Allan dos Santos e onde Bolsonaro passou os três primeiros meses de 2023, e chega à relação com o deputado republicano Jim Jordan, presidente da subcomissão de Assuntos Judiciários da Câmara, que, nesta quarta-feira (18) exibiu o relatório com as decisões do ministro Alexandre de Moraes e a acusação de suposta censura no Brasil.
Ex-campeão de luta livre, Jordan, deputado republicano desde 2007, é um famoso aliado de Trump. Serviu, por exemplo, na tropa de choque do presidente para blindá-lo de ser convocado no Congresso para depor sobre os ataques ao Capitólio. Aliás, diz-se, em Washington, que os dois conversaram longamente naquele dia infame.
Aliás, o título do relatório ora divulgado - "Ataque contra liberdade de expressão no exterior e o silêncio da administração Biden: o caso do Brasil" - dá pistas a quem se destina o documento: atacar o governo democrata de Joe Biden a sete meses das eleições em que Trump é favorito. Por tabela, ajudar os aliados ao sul do Rio Grande, no que parece ter sido mais eficiente. Nos EUA, a repercussão do tema é próxima de zero. Nesta quinta-feira (18), enquanto quase todos os sites brasileiros exibem como manchete o documento, as únicas referências ao Brasil nos veículos de comunicação americanos - inclusive a conservadora Fox News - resumem-se a "Romário voltando a se registrar como jogador aos 58 anos para jogar ao lado do filho" e o caso da mulher que tentou levar um idoso morto a uma agência bancária para conseguir um empréstimo.