No mesmo mês, o Rio Grande do Sul enfrentou um ciclone-bomba, uma enchente histórica em regiões de vales e pancadas de chuva tão concentradas que, em determinadas cidades, caiu em um dia toda água esperada em um mês. David Montenegro Lapola, pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Unicamp, afirma que os dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC) fornecem "boa dose de certeza" de que a maior consequência na Região Sul do Brasil é o aumento da chuva. A coluna conversou com Lapola também por adesão à iniciativa #CientistaTrabalhando, do Instituto Serrapilheira, que em referência ao Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador, em 8 de julho, propôs a abordagem de dados e fatos científicos a jornalistas. Clima é uma variável essencial para a economia, muito além do campo. Afeta do consumo à reconversão industrial e precisa estar no planejamento de políticas públicas, para prevenção de transtornos, como nesta terça-feira (28) em Porto Alegre, e de desastres como o que o Vale do Taquari viveu no início do mês.
Efeito da mudança climática
"O que as projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima apontam, com boa dose de certeza, é que a Região Sul do Brasil vai ter mais chuva. No Norte e no Nordeste, a precipitação tende a diminuir. Não se sabe ainda qual é a proporção desse aumento, mas essa tendência já está bem definida. Os volumes de chuva serão maiores ao longo do ano."
Eventos extremos
"Há consenso de que os eventos climáticos extremos vão aumentar. Nesse caso, ainda que a média anual de chuva no Rio Grande do Sul se mantivesse em torno de 1,2 mil milímetros ao ano, seria concentrada em alguns eventos, o que não é bom, além de ter ventos concentrados. Essa é uma previsão de tendência, então é algo que deveríamos esperar e prever."
Ciclone-bomba
"As frentes frias que chegam ao Sul e ao Sudeste do Brasil se formam em uma zona de baixa pressão, geralmente na na Argentina ou no oceano. É como se fosse uma onda no mar, que forma uma área em que a água está mais alta, depois mais baixa. É como se esse movimento se formasse na atmosfera. Na baixa pressão, a atmosfera está mais baixa, comparando de forma muito simples. Para se equilibrar, ocorre o vento. Essa é uma zona de confluência de vento. Quando a pressão fica muito baixa, é chamada de depressão, depois vira tempestade tropical, que pode evoluir para furacão. Ainda é cedo para afirmar que esse evento específico é resultado de mudança climática, porque ainda não há estudo detalhado. Mas o fato é que a temperatura do planeta já subiu em torno de 1ºC. É de se esperar que seus efeitos já estejam ocorrendo no Rio Grande do Sul."
Furacão sulino
"Um caso emblemático foi o furacão Catarina, de 2004. Lá se vão 16 anos, mas em termos climáticos é ainda recente. Foi um evento raríssimo, o único em uma série histórica de cem anos. E, sim, não há mais dúvidas de que foi um furacão. As frentes frias do Sul sobem da Argentina, vão para o Sul e o Sudeste e seguem para o mar. Uma sobra dessa frente fria de 2004 voltou do oceano para o continente. Não há nenhum outro registro desse comportamento. Esses exemplos que vêm ocorrendo são uma boa resposta à pergunta se a mudança é tendência ou se já estamos observando as mudanças que estão projetadas para os próximos anos".