O calendário marca o início da primavera no Hemisfério Norte. E o começo do fim de um dos maiores empecilhos a qualquer iniciativa terrena nas planícies e florestas do Leste Europeu, o temido "General Inverno", com suas ventanias abaixo de zero e sua lama congelante. Era com essa melhora no clima que a Ucrânia contava para imprimir sua contraofensiva, na busca por retomar territórios ocupados pelos russos desde o ano passado.
Num misto de propaganda e desejo, os ucranianos anunciaram semanas antes a propalada contraofensiva. Contaram para isso com apoio da mídia ocidental. É sem surpresa, portanto, que o mundo assiste a uma chuva de mísseis disparada nos últimos dias contra o território da Ucrânia. A Rússia não parece disposta a perder o que já conquistou e usa sua musculatura militar (quatro vezes superior à dos ucranianos) para tentar impedir a reação dos seus inimigos eslavos.
Nos últimos dias, houve aumento nos ataques na Ucrânia, com alvos longe das linhas de frente. Na sexta-feira, 23 pessoas foram mortas na cidade central de Uman. Na região de Kherson (Sul) — que ainda é parcialmente controlada pela Rússia — as autoridades regionais ucranianas disseram que houve 39 bombardeios.
Pavlohrad, um centro logístico perto da cidade de Dnipro (Leste), também foi atingido. O bombardeio destruiu dezenas de casas e feriu 34 pessoas. Dezenove prédios, 25 casas particulares, seis escolas e jardins de infância e cinco lojas também foram danificados.
A verdade é que Vladimir Putin decidiu se antecipar aos ucranianos. Reforçou toda sua vasta rede de defesa de trincheiras nas duas províncias ucranianas mais ao leste, Donetsk e Lugansk, obras que podem ser vistas do espaço.
Os ucranianos terão forças para concretizar seu avanço? Difícil. A exaustão começa a tomar conta das tropas. A escassez de soldados, após um ano de guerra, faz com que o governo ucraniano vá atrás e tente recrutar todos os jovens, mesmo em regiões não envolvidas na guerra, como o oeste do país. Menos mal para a Ucrânia que a Europa e os Estados Unidos continuam a enviar seus mais modernos estoques bélicos na ajuda ao país invadido pela Rússia.
Já a Rússia também enfrenta seus próprios dilemas. A semana começou com a demissão do vice-ministro da Defesa responsável pela logística, Mikhail Mizintsev. Conhecido como "Açougueiro de Mariupol" (assim chamado pelos massacres que ordenou nesse porto do sul da Ucrânia), Mizintsev perdeu o emprego talvez por falhas em tentar durante sete meses tomar uma cidade estratégica, Bakhmut (em Donetsk, no Leste).
Os russos já dominam 90% desse enclave siderúrgico-ferroviário próximo à Rússia, mas a um enorme custo humano. Grande parte dos 20 mil combatentes que a Rússia perdeu na Ucrânia foi nesse município. A maioria deles, prisioneiros recrutados como mercenários pela milícia privada Wagner, sob promessa de liberdade pós-luta.
Aliás, a semana também começou com severas críticas de Yevgeny Prigozhin, o senhor da guerra que controla o Grupo Wagner. Ele afirma que seus combatentes estão com tão pouca munição que podem ter de se retirar de Bakhmut. E insinua que os mercenários não recebem ajuda bélica porque sofrem boicote das Forças Armadas russas.
A verdade é que os dois lados estão esgotados. Seria a ocasião ideal para uma negociação de paz.