Um dos lances geniais de Pelé na Copa de 1970 teve participação direta de Atílio Genaro Ancheta. O zagueiro que marcou época no Grêmio defendia o Uruguai na semifinal contra o Brasil. No segundo tempo do confronto, Tostão lançou o Rei. Com uma ginga de corpo, ele se livrou do goleiro Mazurkiewicz. Enquanto isso, o camisa 2 da Celeste correu na cobertura. O 10 da Seleção chutou, o defensor atrasou o passo e a bola, caprichosamente, passou a centímetros das suas costas e saiu rente à trave direita.
- Saí no Tostão, que vinha com a bola dominada de frente. Estava uns três metros fora da área e vi que o Pelé ia passar. Aí, eu pensei em correr para o gol. Quando ele chega na bola, não se enxerga isso, mas eu vejo que ele oscila, se demora um pouco, esperando eu passar e tocar nas minhas costas. Foi aí que ele errou o gol. O chute ia ser no meio do gol, mas quando me viu, se surpreendeu também, pensou que não tinha ninguém - relata Ancheta, hoje com 71 anos.
O uruguaio recorda com bom humor do lance. Sorri com o desespero que teve para atrasar a passada e afirma que, se a bola fosse na direção do gol, conseguiria fazer o corte, pois passou a centímetros do seu calcanhar. Porém, reconhece que, quando não conseguiu fazer a intercepção, temeu pelo pior.
- Olhei pra trás e achei que ia entrar. Quando caí, rolei e vinha que não tinha entrado, pensei: que coisa boa - relembra aos risos.
O lance que entrou para a história rendeu dividendos para Ancheta. Na década de 1990, foi procurado por uma fabricante veículos. A ideia era fazer uma propaganda em que a jogada terminaria em gol. O zagueiro aceitou, mas mediante um bom cachê, é claro.
- Por 15 segundos, ganhei cinco o seis vezes mais do que recebi na Copa. No Mundial todo, ganhei US$ 2 mil. Só deu para comprar duas motos, uma para o meu pai e outra para mim - revela.
Com apenas 19 anos, em um torneio na Argentina, Ancheta enfrentou Pelé o português Eusébio. Foi um batismo de fogo. Sobre o Rei, rasga elogios, considera acima da média não só como jogador, mas como pessoa. Acredita que foi o jogador que definiu a palavra craque. E fala sobre as dicas que recebeu de um zagueiro mais experiente, Emilio Álvarez, seu ex-colega de Nacional-URU, para enfrentar o camisa 10 do Brasil.
- Sempre respeitei ele, e ele também a mim. O Álvarez falava: quando for jogar com Pelé, não bate nele. Joga futebol, aí tu vais te salvar. Não provoca. Ele (Pelé) dialogava bastante, batia papo, mas quando tu batia nele, ele ficava louco. Aí, era pior. Ele te procurava para te desmoralizar. Eu jogava firme, mas nunca desleal. Por isso, ele sempre me perdoou - destaca o ex-zagueiro do Grêmio, que completa:
- Existiram muitos craques, mas nunca vi parar uma guerra parar para ver um jogador, nunca vi expulsarem um árbitro por ele expulsar Pelé. Não vai acontecer de novo, é único.
"Os dirigentes uruguaios foram canalhas"
Há mais de um ano, Atílio Genaro Ancheta voltou a residir em Santo Antônio da Patrulha, cidade a 73 Km de Porto Alegre, onde já havia morado por quase duas décadas. Lá, havia criado seus filhos e teve uma escolinha. Pelas amizades que tinha no município, resolver voltar. Por telefone, o ex-zagueiro falou sobre o famoso Brasil x Uruguai na semifinal da Copa de 1970. E reclama de uma mudança de logística que, segundo ele, prejudicou o desempenho da Celeste.
- O Brasil foi o melhor time do campeonato, mas aconteceu uma coisa que fico chateado até hoje. Estou contando pela segunda vez. Quando ganhamos da União Soviética, os dirigentes do Uruguai foram para Acapulco (balneário mexicano). O jogo contra o Brasil seria na Cidade do México, mas o Brasil, dois dias antes, fez uma reunião com a Fifa ou com os organizadores, não sei, e a partida mudou para Guadalajara - comenta Ancheta.
A Celeste estava na amena Puebla, próxima da Cidade do México. Duas noites antes da semifinal, por volta das 23h, os dirigentes chegaram ao hotel e avisaram que os jogadores deveriam arrumar as malas porque as 5h da madrugada deveriam embarcar para Guadalajara. Isso, já no dia anterior ao jogo com o Brasil.
- Chegamos a Guadalajara com 35ºC, o Brasil já estava lá há dois meses. O hotel era simples, tudo bem, mas tinha uma boate, sentíamos toda a música nos quartos. Estramos no jogo com confiança de que poderíamos ganhar, não como derrotados. Mas brabos, indignados com os dirigentes, pelas dificuldades que tinham nos colocado. Foi tudo muito mal organizado. O dirigentes uruguaios foram muito canalhas.
Ancheta elogia a zaga e o meio-campo da Celeste de 1970, mas ressalta que o time carecia de um centroavante nato. Ainda sobre o duelo contra o Brasil, afirma que os jogadores sentiram o desgaste no segundo tempo.
- Estávamos entusiasmados. Foi um jogo difícil para nós e para o Brasil. Tínhamos confiança na defesa. Nosso time tinha uma marcação firme, uma correria boa. Da seleção, oito jogadores eram do Nacional-URU. O conjunto estava armado. Saímos na frente, o Brasil empatou no fim do primeiro tempo. Ficamos um pouco aflitos, pois já estávamos um pouco cansados, e o Brasil ficou entusiasmado, estava com o apoio da torcida. Mas jogo foi parelho igual. Quando estava 2 a 1, Cubilla teve uma chance de frente e cabeceou nas mãos do goleiro. Acho que se empatássemos, o Brasil iria sentir, mas não fizemos o gol.
Apesar de lamentar a mudança do local do jogo quase em cima da hora, o ex-zagueiro do Grêmio reconhece o poderio do adversário:
- O time do Brasil tinha um elenco maravilho. Poderia ter alguns defeitos na defesa, mas do meio-campo para a frente o potencial era impressionante. Havia muita qualidade, muitos jogadores com experiência. Também tiveram uma organização muito boa.