O Ministério Público do Estado (MP-RS) deve recorrer da decisão que reduz o tempo de cumprimento de pena para presos que estão no Presídio Central de Porto Alegre, uma das maiores penitenciárias do país. O órgão afirmou, em nota, que irá "adotar as medidas cabíveis para reverter a situação, pois entende que houve um erro procedimental da magistrada". O MP não esclareceu, no entanto, os motivos que embasam a decisão pelo recurso.
A decisão da Justiça, proferida no dia 4, é da juíza da 1ª Vara de Execuções Criminais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) Sonáli da Cruz Zluhan, e atende a um pedido da Defensoria Pública do Estado. A magistrada determinou que seja contado em dobro cada dia de pena cumprido por detentos custodiados no local. A decisão leva em conta a "superlotação" do local e as condições "degradantes e desumanas" a que são estão submetidos os presos. Até o momento, não há como estimar quantos presos serão beneficiados, afirma a juíza.
De acordo com a magistrada, o tempo para recurso da decisão foi encerrado e a medida já está valendo — o MP afirma que há mais formas de recorrer da decisão. Sonáli explica que a redução de pena vale para todos os presos, independente do crime cometido.
— Na lei de execuções penais, tem uma série e requisitos de como o presídio deve ser. Há regras de quanto presos por cela, teoricamente presos primários devem ser separados de reincidentes. Mas não conheço nenhum presídio no Brasil que cumpra essas regras. Esses locais trabalham na ilegalidade. Então, se no começo da pena, essas regras não são levadas em conta, elas devem ser levadas na hora de soltá-los?
Para solicitar a redução, os representantes legais de apenados devem fazer o pedido dentro do processo que o indivíduo responde. Sonáli afirma que já recebeu algumas dessas solicitações, e que ainda aguarda da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) um comunicado indicando desde quando o Central opera com a lotação superior a 120% e também o tempo de permanência de cada preso no presídio. A medida vale também para apenados que já deixaram o Central e estão detidos em outras casas penais.
A decisão de Sonáli segue jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em novembro de 2018, determinou que cada dia de pena cumprido no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, uma das unidades do Complexo de Gericinó, em Bangu, no Rio de Janeiro, fosse contabilizado em dobro para todos os presos. Na época, a CIDH entendeu que houve descumprimento de compromissos assumidos pelo poder público no sentido de reduzir a superlotação da unidade e recuperar o controle das galerias que fora tomado pelos presos.
Em seu despacho, Sonáli determinou que as galerias do presídio de Porto Alegre com taxa de ocupação superior a 120% serão identificadas como superlotadas, seguindo o percentual de "superpopulação crítica" definido pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
A juíza usou, como medida da superlotação, o espaço que cada preso ocupa no presídio, em média. Uma inspeção do Ministério Público do RS feita há alguns anos concluiu que cada preso ocupava em média 1,71 metro quadrado — em algumas celas, o espaço disponível era de 0,45 metro quadrado por pessoa. O espaço recomendado é de seis metros por preso.
Secretário do Sistema Penal elogia decisão; especialistas divergem
Após a divulgação da decisão, o titular da Secretaria Estadual de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSP), Mauro Hauschild, elogiou a medida e afirmou que a definição já era aguardada desde 2018, com base em definições da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) — órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA).
— Essa decisão judicial ratifica o programa Avançar e mostra que estamos no caminho certo. Na última semana, o Estado divulgou o investimento de R$ 465 milhões em investimentos no sistema prisional. Esperamos neste ano ainda contratar uma empresa para a demolição do Presídio Central e a construção da nova cadeia pública. Com isso vamos, fatalmente, resolver este problema (a superlotação) de forma definitiva — comenta o secretário.
Procurada, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS) afirmou que irá analisar o caso e "avaliar a melhor medida a ser tomada".
Para a advogada criminalista Emilia Malacarne, coordenadora da área de penal empresarial do escritorio Souto Correa Advogados, a decisão é acertada. Ela defende que, para buscar a ressocialização de apenados, o Estado precisa fornecer um sistema prisional que garanta o cumprimento da pena em "condições adequadas e que respeitem a dignidade" das pessoas.
— O Central é um local com muita influência de facções. Muitas vezes, pessoas que cometeram crimes mais brandos têm contato com esses grupos, e quando saem do presídio estão em dívida com eles. Isso só piora a possibilidade de essa pessoa sair dali ressocializada. Além disso, o fato de o preso ser submetido a uma condição tão degrandante quanto a que vemos ali dificilmente vai contribuir para que ele busque outro meio de vida — pontua Emilia.
Para o promotor de Justiça do Tribunal do Júri Eugênio Paes Amorim, no entanto, a medida irá aumentar os índices de violência, "especialmente nos casos de traficantes e assaltantes que realizam atos a mão armada".
— Certamente vai implicar no aumento da violência, no aumento de assaltos e de homicídios. A medida não tem fundamento legal e certamente será objeto de recurso. Essa medida revela um ativismo ideológico que sustenta que o criminoso é vítima da sociedade, mas é a sociedade que é vítima do criminoso e de decisões como essa — afirma Amorim.