
A escalada da criminalidade e a incapacidade do poder público de conter o avanço da violência cunham ao mesmo tempo as duas faces da moeda da economia. De um lado, oneram empresas e consumidores, que passam a pagar mais caro por produtos e serviços devido ao custo crescente da busca por proteção. De outro, são combustível para o avanço da segurança privada, que ocupa o vácuo deixado pelo aparato estatal e cresce a altas taxas no país, a despeito da recessão.
Enquanto o PIB brasileiro derreteu 3,8% ano passado e deve ter nova queda acima de 3% em 2016, as companhias que oferecem serviço de vigilância e monitoramento parecem não ter sentido a crise. Dados da Federação Nacional de Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist) mostram que o faturamento do setor, em 2015, chegou a R$ 50 bilhões, avanço nominal de 8,6% sobre 2014. Em 10 anos, o crescimento chega a 230%.
Com a tecnologia como aliada, a Associação Brasileira de Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (Abese) também exibe números que passam longe da crise. O segmento avançou 6% sobre 2014 e, agora, espera aumentar as vendas entre 4% e 5%. Muito mais pujante foi o desempenho da indústria nacional de alarmes. Cresceu 15% ano passado, performance que deve repetir em 2016. Entre as razões listadas para o setor estar na contramão, cita a Abese, o principais são "os menores investimentos em segurança feitos pelos governos federal, estaduais e municipais, o que estimula os particulares".
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– Há mais tecnologias aplicadas para a prevenção e a população está cada vez mais preocupada com isso – observa Selma Migliori, presidente da Abese, que cita outros fatores para o bom momento dos fabricantes brasileiros ano passado, como o câmbio, que inibiu as importações, e a transformação do mercado imobiliário, com os condomínios cada vez mais mais preocupados com segurança.
Mas, ao mesmo tempo que a crise na segurança pública vira oportunidade de negócios, gera gastos extras que acabam repassados para os preços dos produtos e serviços e passam a fazer parte do chamado custo Brasil. O Sindilojas da Capital calcula que, a partir dos gastos com prevenção em todos os elos da cadeia, começando pela indústria, passando pelo transporte e chegando ao comércio, o desembolso para a proteção da criminalidade representa 10% do preço da mercadoria.
– Isso tudo é repassado e o consumidor paga a conta – resume o presidente do Sindilojas, Paulo Kruse.
A procura da população por ao menos sentir-se mais segura também forja novos comportamentos que impactam na economia. As lojas de rua perdem clientela para os shopping centers e, na indústria da construção civil, a classe média cada vez se enclausura mais em condomínios que primam pelo investimento em vigilância.
Mais trabalhadores na segurança do que na polícia
O presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS), Ricardo Sessegolo, não tem dúvida. A questão da segurança moldou os projetos dos novos condomínios, desde a concepção arquitetônica. As entradas de garagem devem ser próximas à portaria. Visitantes e entregadores têm de ser submetidos a câmaras de espera. Dobrou o número de câmeras, espalhadas por acessos, garagem, escadarias, hall. Nos prédios mais sofisticados, elevadores têm códigos para que apenas os moradores ou pessoas autorizadas possam ter acesso ao andar.
– Isso tudo é usado como marketing do empreendimento. Por que os condomínios horizontais do litoral tiveram tanto sucesso? A razão número 1 é a segurança – diz Sessegolo.
Com o setor público em crise e a iniciativa privada ocupando seu espaço, o número de vigias de empresas de segurança é maior do que o contingente oficial da área de segurança. O número mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicado ano passado na pesquisa Perfil dos Estados e dos Municípios Brasileiros indica que, em todo o país, existiam 542 mil policiais civis e militares.
Com base em estatísticas do Ministério da Previdência, a Fenavist indica que, nas companhias de segurança privada, são 655 mil trabalhadores _ sem contar quem trabalha na informalidade. A quantidade de empresas de segurança privada também disparou. Dez anos atrás, eram 1,6 mil. Hoje, são 2,5 mil, conforme a Fenavist, a partir de dados da Polícia Federal (PF), que fiscaliza o setor. Mas o número pode ser muito maior. A entidade sustenta que, para cada empresa autorizada pela PF, exista outra clandestina.
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