Entre o Palácio Piratini e as pedras centenárias da Catedral Metropolitana, sob o olhar atento das carrancas indígenas que erguem as paredes do templo, uma nova cafeteria tem encantado centenas de clientes nos três dias que abre suas portas a cada semana. A rua sem saída que termina com uma estátua do ex-governador Leonel Brizola conduz a um jardim que até 2018 era acessado apenas por cardeais. Em 2023, a arquidiocese resolveu apostar no potencial turístico da paisagem, reformou o terreno e abriu o Café da Catedral, em abril.
A experiência começa antes mesmo de entrar no café. A lateral da catedral impressiona quem espera o horário de funcionamento da novidade. Ali são tiradas as primeiras fotos, que se repetem em formato selfie e panorâmico depois de descerem as escadas. Do alto dela é possível ver todo o espaço, um tipo de cenário que justifica até a criação e utilização de uma palavra nova se referindo à rede social visual:
— Eu estava há tempos querendo fazer fotos no Centro, mas não escolhia um lugar. Encontramos o café na rede social e viemos aproveitar. É um ambiente legal, muito instagramável — comenta a estudante Carolina Tuchtenhagen, 17 anos, que inicia a carreira de modelo.
Ela e a mãe Lisiane, 50, moradoras do bairro Petrópolis, foram algumas das primeiras pessoas a se aproximarem do portão, ainda por volta das 15h.
— Já fizemos fotos na Orla, no (museu) Iberê, na Praça Itália, no Jardim do Dmae e no Jardim Botânico. Aqui uniu um cenário e também o café, algo que também gostamos de ir — disse Lisiane.
O espaço onde as 28 mesas externas ficam combina área verde, canteiros com lavanda e arquitetura histórica. O cardápio oferecido pela cafeteria vai do coado simples a R$ 8, passa pelo chocolate quente por R$ 14, e alcança taças de vinho reservados ou garrafa de espumante entre R$ 22 e R$ 175, respectivamente. Para matar a fome, doces e salgados podem ser pedidos com preços que variam de R$ 10, no caso da croqueta de costela assada com aioli, a R$ 69, com a tábua de frios da Banca do Holandês. Nenhuma opção no menu é tão saborosa quanto o ambiente imerso na natureza e a proximidade com a história da cidade.
— Este é um dos muitos lugares que temos para fazer turismo em Porto Alegre, mesmo para quem mora aqui. Estávamos loucas para vir conhecer — exclama a jornalista Kátia Hoffman, que foi conhecer a cafeteria com uma amiga.
Do lado de dentro, preparando as mesas e antevendo mais um turno de grande movimento ao lado de uma equipe de 22 pessoas, Letícia Huff explica que o espaço e os horários de funcionamento devem ser ampliados. No primeiro mês, o café operou apenas de quinta a sábados, das 16h às 21h, pois o mesmo local é utilizado para outros eventos como casamentos e encontros corporativos.
— Ainda estamos entendendo o espaço, organizando o melhor formato. Não há nada definido, vamos fazendo aos poucos e comunicando, pelas redes sociais, site e secretaria física da Catedral, quais os parâmetros de atendimento vigente — explica a funcionária da Arquidiocese de Porto Alegre.
Público fiel
Na mesa mais próxima da escada e lamentando por cada degrau que precisou apoiar sua bengala por não saber da existência de um elevador dentro da Catedral, Aidé Campello Dill e as amigas Liege Velleda Lázaro e Elizabeth Mércio liam o cardápio ansiosas pela chegada das outras companhias delas. Ex-professoras da rede pública, onde foram colegas na década de 1980, elas dizem que se encontram mensalmente para ir a algum café, cinema, teatro, ou pelo menos um “sopão” na casa de alguma. Nesta tarde se vislumbraram com a tranquilidade ao lado da catedral.

— A melhor coisa é manter as amizades a partir de uma certa idade para vir neste tipo de lugar — garante Elizabeth.
— Passamos a semana passada vendo a repercussão na rede social. A fila hoje tá enorme, e eu furei porque tenho direito. Mas não diz minha idade, o cabelo branco é só charme — brinca Aidé Dill, antes de repreender a prima Liege, que confessou já terem passado dos 80.
Ideia madura
Gestora do café e curadora do espaço de eventos, Letícia começou a trabalhar em 2018 na arquidiocese. Inicialmente era responsável pelos casamentos na Catedral. Quando conheceu a cripta, ficou interessada em usá-lo para eventos, transformando-o em Salão Nobre com uma reforma. A procura surpreendeu positivamente a todos, principalmente para eventos corporativos. O lucro resultante destas operações é incluído no caixa da arquidiocese, responsável por manter ações sociais e as próprias paróquias da Capital.
O Salão Nobre comporta até mil pessoas, caso não precise servir refeições. Com jantar, a capacidade reduz para 600 pessoas. O jardim tem capacidade para mais 200. O café tem atendido cerca de 500 pessoas por dia, ainda que este não fosse o objetivo deles no primeiro mês. Nesta quinta, as 28 mesas externas foram ocupadas 16 minutos depois da abertura dos portões - no salão interno apenas uma tinha clientes.
— Queremos dar um espaço confortável, para famílias ou pessoas sozinhas que queiram se sentir seguras e cômodas, tanto no jardim quanto no salão nobre, pelo tempo que quiserem, com qualidade no serviço e um ambiente intimista — comenta Letícia.
Café com cultura
A reserva técnica de obras de arte da Catedral deve ser exposta em uma sala anexa ao jardim. Apelidada de Sala João Paulo II desde que o antigo papa usou-a para atender a imprensa e convidados em sua visita à Capital, o espaço receberá objetos, vestimentas, quadros e imagens que contam a história da Igreja Católica no Rio Grande do Sul.
O turismo religioso também está nos planos de Letícia em um segundo momento. A prefeitura e a diocese planejam inserir o Café da Catedral no roteiro de caminhada por igrejas no Centro Histórico.
— Desde as igrejas tombadas, passando pelos santuários na Zona Sul, queremos unificar estes espaços para que a catedral e o seu café estejam à disposição da comunidade. Queremos que as pessoas venham conhecer o jardim e o salão, mesmo que não consumam no café — projeta.