A reportagem chegou razoavelmente cedo na fila em frente à sede da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), na Avenida João Pessoa, região central de Porto Alegre. Eram cerca de 8h da última quarta-feira. Entretanto, mais de uma centena de pessoas já estava ali antes de o sol dar as caras.
Num país assolado pela inflação em alta, desemprego e volta ao mapa da fome, toda possibilidade de auxílio é bem-vinda. E os recentes anúncios do governo federal, que criou benefícios através de um estado de emergência, fizeram com que os mais necessitados corressem atrás do simples aceno de uma possibilidade de ser contemplado.
Mas, quem são estas pessoas e quais razões as levaram para a exposição às intempéries sem a certeza de algo concreto? Conheça as motivações e desejos de famílias afetadas pela crise gerada durante a pandemia do coronavírus.
Pouco depois de completar 25 anos, Osmi Flores, hoje com 46 anos, veio a Porto Alegre passear. Havia perdido o emprego que tinha em Santa Maria, onde morava, e aproveitou o momento para visitar suas irmãs que residiam na Região Metropolitana. Acabou por arranjar trabalho num posto de gasolina e fincou pés na Capital. Santa Maria ficou no espelho retrovisor.
Os anos passaram, os empregos também. Veio um casamento e um casal de filhos. Hoje, a menina tem 17 anos e o guri 16 anos. E é somente com os filhos que ele divide a casa no Campo da Tuca, comunidade do bairro São José, na Zona Leste.
Antes da pandemia, Osmi já tinha feito o Cadastro Único (CadÚnico). A presença na fila da SMDS na quarta-feira era para tentar a atualização dos dados. Medida necessária para estar apto a receber benefícios como o Auxílio Brasil — antigo Bolsa Família. Osmi lamenta que durante a crise sanitária não conseguiu ter acesso ao Auxílio Emergencial.
— Acho que foi pelo fato da mãe dos meus filhos ainda estar no meu cadastro. Agora, vou atualizar esses dados — projetava ele, com a ficha de número 77 em mãos.
Naquela manhã, foram entregues 120 fichas para atendimento pela equipe presente na sede da SMDS. Para Osmi, o último emprego formal foi há mais de três anos, na fiambreria de um hipermercado da Capital. Desde o início da pandemia, para ter alguma renda, ele se instalou sob o Viaduto São Jorge, na Zona Leste.
A passagem da Avenida Salvador França sobre a Avenida Bento Gonçalves é o palco onde o autônomo oferece seus doces, cocadas e rapaduras. Máscaras de proteção e fones de ouvido também fazem parte dos produtos, numa parceria com outro vendedor informal. É dali que vem o sustento para alimentação e outras despesas. Mas, a dificuldade principal é o aluguel, garante o homem que adoça a vida alheira com a venda de seus quitutes.
E foi esse o motivo que lhe fez procurar novamente um serviço de assistência social na expectativa de conseguir um benefício. Ele conta que foi até o Centro de Referência em Assistência Social (Cras) da sua região para atualizar o CadÚnico. Lá, porém, foi orientado a ir na sede da SMDS para que conseguisse atendimento.
— Saí de casa por volta das 5h, cheguei aqui antes das 6h. Espero que dê tudo certo — compartilhou Osmi.
Acompanhando a família
Virando a esquina da João Pessoa com a Venâncio Aires, a fila seguia por mais alguns metros. Perto do final, duas mulheres aguardavam. Eram mãe e filha. Ana Maria Vedoi de Oliveira Rodrigues, 50 anos, não pode receber o Auxílio Brasil. Ela já tem um benefício de prestação continuada (BPC) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Ana Maria tem cinco filhas. O BPC não chega a ser suficiente para sobreviver. Por isso, seu marido trabalha como entregador de aplicativos de delivery. De bicicleta, ele pedala em busca de um renda extra para complementar o ganho do casal que vive na Zona Sul.
Mas, se já está na rede de assistência social através do BPC, por que Ana estava na fila? Para trazer a filha mais nova, Stephanny de Oliveira Maier, 22 anos. A jovem queria atualizar o CadÚnico, pois passa por um momento difícil. Ela e o namorado estão sem trabalho.
— Ele até faz alguns bicos em obras, mas o dinheiro é curto — lamenta Stephanny, que recorda ter recebido o Auxílio Emergencial.
A necessidade pela inserção num programa social não fez da ida de Ana Maria a sede da SMDS uma primeira viagem. Na semana anterior, ela já havia acompanhado outra filha, que é mãe solteira, ao mesmo local. Não existe um prazo para se cadastrar no CadÚnico. E o Ministério da Cidadania tem chamado para atualizações somente famílias que estavam sem fazer essa revisão desde 2016 e 2017.
A prefeitura chegou a ampliar o número de espaços para atender à população da Capital e o ministério estendeu prazos para quem está sendo convocado. Mesmo assim, filas têm se formado diariamente nos locais disponíveis em Porto Alegre. A explicação mais simples é a pressa. Quanto mais cedo conseguirem se cadastrar, mais rápido as famílias podem ter a chance de serem contempladas com o Auxílio Brasil.
— Demoram uns três meses para dar retorno, então, tentamos nos adiantar — diz Ana Maria.
Frustração após noite de espera
Se na sede da SMDS o horário de chegada fica em torno das 6h, em outro ponto da Capital, a situação era mais complicada. No Vida Centro Humanístico, na Zona Norte, integrantes da fila relaram ter chegado durante a madrugada e, em vários casos, ainda no início da noite anterior.
Para Dioraci de Fátima Antunes Braga, 62 anos, o início da espera foi por volta das 3h de quarta-feira mais recente. Acompanhada de uma cadeira de praia, ela atravessou a fria noite. Somente no início da manhã, os guardas do Vida Centro abriram as portas de um grande espaço coberto onde as pessoas puderam se abrigar. Antes disso, a espera foi ao relento.
Fátima é casada e cita que o marido já havia tentado receber o Auxílio Emergencial durante a pandemia, mas não conseguiu. Erroneamente, garante a moradora do bairro Passo das Pedras, ele informou que tinha renda de um salário mínimo, apesar de os dois estarem desempregados:
— Acho que acabou pensando que era necessário ter alguma renda no CadÚnico.
Acontece que depois de passar a noite na fila e tentar cadastrar-se, Fátima voltou para casa de mãos abanando, acompanhada apenas da cadeira de praia. Como o marido já havia se cadastrado, ela não poderia ter CadÚnico. Foi informada de que é feito um registro para cada família. Além disso, a renda informada pelo esposo impossibilitava a elegibilidade ao Auxílio Brasil.
— Fui informada de que ele precisa vir aqui fazer a atualização. Agora, se ele vai vir, não sei — pontuava com incerteza.
O marido de Fátima, citado por ela apenas pelo primeiro nome, João, tem 72 anos. Tenta na Justiça conquistar a aposentadoria, segundo ela. É uma luta comum dos que atingem certa idade, perdem espaço no mercado de trabalho e recorrem a escritórios de advocacia para buscar o benefício.
— A gente sempre tem que estar lutando para receber algo. Um monte de gente que nem precisa recebe. Mas, para nós, nunca é fácil — lamentou.
Comunicados estão sendo feitos por Ministério da Cidadania
A reportagem procurou o Ministério da Cidadania para esclarecer as informações sobre o CadÚnico. A pasta federal pontuou que "os beneficiários de programas sociais do governo federal, como o Programa Auxílio Brasil (PAB), a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), devem ficar atentos à retomada dos processos de Averiguação e Revisão Cadastral de 2022". O Ministério da Cidadania anunciou ainda que prorrogou os prazos para realizar o procedimento e que as famílias que precisam fazer a atualização são notificadas.
O órgão ainda explicou que o novo aplicativo do Cadastro Único é uma das ferramentas para que "as famílias cadastradas possam conferir se os dados estão atualizados". Além disso, a nota enviada pelo Ministério explica que "as famílias beneficiárias do Auxílio Brasil receberão mensagens no extrato de pagamento do benefício e pelo aplicativo do programa. Já os beneficiários da TSEE podem receber comunicados por mensagem na conta de energia elétrica".
Caso não tenha ocorrido nenhuma alteração nas informações prestadas na última entrevista, a família beneficiária poderá também fazer a confirmação dos dados pelo aplicativo do Cadastro Único (disponível para Android e iOS). Porém, se for preciso alterar algum dado, é necessário comparecer a um posto de cadastramento para uma nova entrevista e a atualização cadastral. Os canais disponíveis para informações sobre o Cadastro Único são os telefones 121 ou 0800-772-003.
A pasta informou que "a organização do atendimento na rede socioassistencial é de responsabilidade dos municípios". A prefeitura da Capital diz que ampliou os pontos de atendimento e tem feito o possível para atender a demanda que cresceu nos últimos dias. Além da sede da SMDS e do Vida Centro Humanístico, seis subprefeituras da Capital estão recebendo famílias para atendimentos do CadÚnico. Mutirões são realizados em bairros de Porto Alegre mas, neste caso, são apenas para atualizações.
Locais para atualização do Cadastro Único em Porto Alegre
- Região Cristal – Subprefeitura, na Avenida Copacabana, 1.096, bairro Tristeza, das 8h30min às 12h e das 13h30min às 17h30min
- Região Extremo-Sul – Subprefeitura, na Avenida Desembargador Jorge Mello Guimarães, 12, bairro Belém Novo, 8h30min às 12h e das 13h30min às 17h30min
- Região Restinga – Subprefeitura, na Rua Antônio Rocha Meirelles Leite, 50, 2ª Unidade Restinga Nova, 8h30min às 12h e das 13h30min às 17h30min
- Região Partenon – Subprefeitura, Avenida Bento Gonçalves, 6.670 (terminal Antônio de Carvalho), 8h30min às 12h e das 13h30min às 17h30min
- Região Leste – Subprefeitura, na Rua São Felipe, 144 , na Bom Jesus, 8h30min às 12h e das 13h30min às 17h30min
- Região Norte – Subprefeitura, na Rua Afonso Paulo Feijó, nº 220, no bairro Sarandi, 8h30min às 12h e das 13h30min às 17h30min
Unidade de Atendimento das 8h às 19h – sem fechar ao meio-dia
- Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social: Avenida João Pessoa, 1.105
Unidade das 8h às 17h – sem fechar ao meio-dia
- Vida Centro Humanístico: Avenida Baltazar de Oliveira Garcia, 2.132 – Sala 656, área 6 – Sarandi
Sine Municipal
- Avenida Sepúlveda esquina com Mauá - Centro Histórico