Mais recentemente, em documento enviado ao prefeito em agosto, a administração do Condomínio Edifício Catedral relata um agravamento da situação: "Ultimamente temos percebido uma postura mais arrogante, mais agressiva de parte de pessoas que se aglomeram no passeio público, especialmente na calçada da Rua Espírito Santo (...) Passaram a importunar as pessoas, impedir que usem o passeio público, provocar senhoras e crianças que circulam na área."
Em outro trecho, pede que a municipalidade exerça o poder de polícia, dentro das suas atribuições legais, "para coibir a ocupação das referidas áreas e dar o encaminhamento adequado para as pessoas, não apenas as que se servem do passeio público sob a marquise deste Edifício Catedral, mas de todo o entorno".

Os moradores de um prédio chamado Catedral, localizado na esquina da Rua Duque de Caxias com a Praça da Matriz, tomaram uma providência para evitar a presença de moradores de rua sob sua marquise em dias de chuva. Instalaram, há mais de 12 meses, um cano com furinhos na fachada lateral do prédio.
O objetivo: deixar a calçada molhada antes que os sem-teto aproveitem a oportunidade de dormir abrigados. Antes, a tarefa era feita manualmente.
- A ideia do cano foi minha, aprovada pelo conselho de moradores, para espantar os moradores de rua. Mandamos duas cartas à prefeitura pedindo providências, mas o município não faz nada, nem nos respondeu. E começou a haver assaltos na calçada do prédio. Como ficar de mãos cruzadas? Fizemos até pouca coisa - avalia o síndico do Catedral, Maximino Pegoraro, mais conhecido como Max.
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Em um documento de 2012 endereçado ao prefeito José Fortunati, que mora em um prédio vizinho, o Condomínio Catedral pediu que fossem intensificadas as abordagens para coibir a distribuição de alimentos na fachada do edifício que fica de frente para a praça, na Rua Espírito Santo.
"A referida prática incentiva a aglomeração de pessoas, que se deslocam de vários pontos da cidade para receber alimentos, fato que tem gerado distúrbios da ordem pública, brigas, assaltos, bebedeiras e até sexo e necessidades fisiológicas na via pública. O quadro de barbárie provoca uma enorme sensação de insegurança e impotência dos condôminos, moradores das redondezas e nos visitantes deste sítio histórico e apreciado destino turístico", relata um trecho do documento.
- Temos que lavar todos os dias a calçada. Fica uma sujeira. Vomitam, escarram, fazem xixi, fazem sexo à luz do dia, deixam cachimbo de crack - reclama Marinês Fadini, zeladora do condomínio há quase duas décadas.
Em documento de 2012, condomínio pediu abordagens para coibir a distribuição de alimentos na fachada do edifício
Foto: Laura Schenkel, Agência RBS

Cano tem furos para molhar, de forma distruibuída, a calçada do Condomínio Catedral
Foto: Laura Schenkel, Agência RBS
A reportagem conversou com um casal de moradores de rua que vive na Praça da Matriz. Michele Martins de Avila, 26 anos, que vive na Praça da Matriz, conta que o prédio não permite que os moradores de rua fiquem sob a marquise:

- Nos correm dali. Agora, quando chove, vamos para a marquise da Assembleia Legislativa.
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Jackson da Silva Ferreira, 30 anos, companheiro de Michele, é guardador de carros na área:
- Isso aí é um cano antimendigo. É um desrespeito. Estamos na via pública. Na lei, diz que a gente tem direito de ir e vir, né? Não sei por que fazem isso.
Questionado sobre as reclamações do síndico e da zeladora, Jackson nega que eles tenham bloqueado a calçada ou mesmo que sujem o local.
- Nunca ameacei ninguém. Ninguém faz bagunça ali. A gente não deixa. Os moradores da praça tudo fazem cursos, trabalham. Chegam cansados e só querem um cantinho para dormir. Quando tem uns que querem fazer bagunça, a gente não deixa eles ficarem ali. Um dia, me fizeram sair dali na chuva.
Condomínio fica na esquina da Duque de Caxias com a Praça da Matriz, na esquina oposta à Catedral Metropolitana
Foto: Laura Schenkel, Agência RBS

Contatada pela reportagem, a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) informou que reprova o fato relatado e vai continuar acompanhando as pessoas em situação de rua com transversalidade e intersetorialidade entre as políticas públicas.
Confira a íntegra do que disse a Fasc em nota:
"A Política de Assistência Social do Município busca oferecer toda a assistência e acompanhamento às pessoas em situação de rua na tentativa de promover o acesso à rede de serviços socioassistenciais, bem como reinseri-los às comunidades de origem. Não compete à Fundação de Assistência Social e Cidadania retirá-los da rua, mas buscar, através da formação de vínculos no
espaço rua, o acesso aos espaços de proteção e às demais políticas públicas.
O Serviço de Abordagem Social trabalha prioritariamente com a possibilidade de retomada do vínculo com a família, com a comunidade e também com a perspectiva de produção de autonomia. A partir da discussão de caso com a rede de proteção regional, que inclui serviços de assistência social, saúde, escolas, entre outros, é estabelecido um Plano de Acompanhamento visando construir alternativas para a situação de rua, na perspectiva de garantia de direitos.
Em muitos casos o Serviço Especializado em Abordagem Social tem êxito, promovendo o acesso dessas pessoas aos espaços de proteção, mas muitas vezes esse acolhimento não é aceito ou eles voltam ao espaço da rua.
A Praça da Matriz é um local de grande concentração de jovens adultos em situação de rua, portanto a abordagem social se preocupa em realizar atendimento permanente para atender a essas pessoas. A grande maioria instalada na praça tem conhecimento dos serviços disponibilizados pela
Assistência Social e muitos frequentam os Albergues e Centros Pop.
A abordagem faz os encaminhamentos necessários para atendimento de saúde, assistência social, documentações e acesso ao Cadastro Único. Entretanto, a região tem grande distribuição de alimentos por parte das instituições de cunho religioso nos arredores. Além disso, a população em situação de rua também lucra ao se instalar no ponto, pois há uma grande farta demanda de guardadores de carros no local.
A Fundação reprova o fato relatado e vai continuar acompanhando as pessoas em situação de rua com transversalidade e intersetorialidade entre as políticas públicas.
O serviço de abordagem social pode ser solicitado durante o dia pelo telefone 3289-4994 e à noite pelo telefone 3346-3238."