
Não é trabalho dos mais difíceis encontrar estruturas que impeçam a presença de moradores de rua junto a prédios na área central de Porto Alegre. Mesmo em regiões mais afastadas do Centro Histórico, é possível achar estratégias variadas para afastar essa população, normalmente sob o pretexto de que exalam mau cheiro e deixam os locais sujos.
A reportagem de Zero Hora circulou na quarta-feira no Centro Histórico e nos bairros Santa Cecília, Santana, Menino Deus, Petrópolis e Bom Fim. Nos três primeiros foram encontradas instalações antimoradores de rua (veja as fotos abaixo, ao longo da reportagem).
O caso de uma grade instalada para impedir a presença de sem-teto sob a marquise de um prédio da Rua da República, no bairro Cidade Baixa, levantou o debate nas redes sociais sobre a rejeição à presença de moradores de rua, na terça-feira. A instalação foi feita no último fim de semana em frente ao Condomínio Puebla por causa de reclamações de locatários de apartamentos do edifício sobre mau cheiro.
Bairro Rio Branco
Foto: André Mags

Na quarta-feira, o condomínio foi notificado pela Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov), que deu prazo até a próxima terça-feira para a retirada da grade. A multa prevista é de R$ 514. O síndico contratado do Puebla, André Rodrigues, afirmou que vai cumprir a determinação:
- A gente só queria o melhor para o prédio, mas deu uma repercussão bem forte, causou muita polêmica. Vamos tirar.
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Bairro Santa Cecília
Foto: André Mags

Quanto às demais estruturas identificadas pela reportagem, a Smov provavelmente não poderá interferir. Nenhuma delas avançava sobre o passeio público a ponto de atrapalhar a circulação de pedestres. Em vez disso, fechavam espaços com barras de ferro em uma área chamada de faixa de serviços, rente às construções.
Bairro Rio Branco
Foto: André Mags
Para o sociólogo Eber Marzulo, professor do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), evitar os moradores de rua é uma "trágica regressão civilizatória". No início da sociedade ocidental, as cidades criaram mecanismos de acolhimento, explica. Esses mecanismos acabaram se perdendo quando deixaram de ser atividades comunitárias (praticadas por igrejas, pelo trabalho pastoral) e foram incorporados pelo Estado. Uma solução seria melhorar os albergues e abrigos públicos, cujo regime Marzulo classifica como "carcerário".

Centro Histórico
Foto: André Mags

Confira a nota que a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) divulgou na terça-feira sobre a questão dos moradores de rua:
A Política de Assistência Social do Município busca oferecer toda a assistência e acompanhamento às pessoas em situação de rua na tentativa de promover o acesso à rede de serviços socioassistenciais, bem como reinseri-los às comunidades de origem. Não compete à Fundação de Assistência Social e Cidadania retirá-los da rua, mas buscar, através da formação de vínculos no espaço rua, o acesso aos espaços de proteção e às demais políticas públicas.
O Serviço de Abordagem Social trabalha prioritariamente com a possibilidade de retomada do vínculo com a família, com a comunidade e também com a perspectiva de produção de autonomia. A partir da discussão de caso com a rede de proteção regional, que inclui serviços de assistência social, saúde, escolas, entre outros, é estabelecido um Plano de Acompanhamento visando construir alternativas para a situação de rua, na perspectiva de garantia de direitos.
Em muitos casos o Serviço Especializado em Abordagem Social tem êxito, promovendo o acesso dessas pessoas aos espaços de proteção, mas muitas vezes esse acolhimento não é aceito ou eles voltam ao espaço da rua.
A Fasc vai continuar acompanhando as pessoas em situação de rua com transversalidade e intersetorialidade entre as políticas públicas.
O serviço de abordagem social pode ser solicitado durante o dia pelo telefone 3289-4994 e à noite pelo telefone 3346-3238.
Grade no bairro Cidade Baixa, que deu origem à discussão
Foto: André Mags
