* Mestre em Comunicação Social pela PUCRS, publicitária e colaboradora do portal Ligado em Série
Em 2009, o site Something Awful convidou seus membros a criarem imagens de cunho paranormal. Eric Knudsen, usando o Photoshop, inseriu em duas fotos com crianças uma figura alta e quase indistinta, como se as estivesse rondando. Acrescentou ainda uma breve descrição que sugeria o desaparecimento dessas crianças, ligado àquele personagem que foi nomeado como Slender Man. As imagens foram espalhadas em outros fóruns de horror como sendo autênticas e rapidamente ganharam popularidade em famosas comunidades como 4Chan, um dos principais vetores da viralização do meme.
Como é característico do meio digital, o Slender Man incentivou a cultura participativa, ganhando inúmeras releituras (basta pesquisar no Google ou YouTube para ter uma ideia) e descrições físicas mais aprofundadas como a falta de um rosto, tentáculos e o uso de um terno. A sua história fictícia também foi enriquecida aos poucos, seja atribuindo poderes e habilidades ao personagem ou detalhando suas formas de matar as vítimas, sendo as crianças o alvo preferido. Recebeu ainda outros nomes, como Tall Man e Mr. Slim.
Dentro da subcultura dos fãs de horror, o meme ganhou seus admiradores, e essas releituras tomaram a forma de webséries, games, vídeos estilo documentários, fan fiction, fan arts (na comunidade DeviantART existem inúmeras ilustrações) e outras criações, formando sua própria cultura de fãs e posteriormente solidificando uma mitologia em torno do personagem Slender Man. Assim, ele se tornou uma espécie de entidade da web, nascida para fins de diversão de fãs do gênero que tinham o objetivo de criar uma lenda urbana para a internet.
Porém, na cultura digital, os caminhos e leituras que memes e outras criações irão percorrer são totalmente imprevisíveis, assim como é impossível manter controle sobre esses conteúdos. Assim como não havia como antecipar o papel que a cultura participativa iria desempenhar, prolongando a vida do Slender Man e consolidando tanto o meme quanto sua mitologia, também era imprevisível a forma como ele seria absorvido pelas pessoas.
Um exemplo extremo é o recente caso de Morgan Geyser e Anissa Weier, duas meninas de 12 anos da cidade norte-americana de Waukesha, Wisconsin, que esfaquearam múltiplas vezes uma amiga também de 12 anos como forma de oferenda ao homem sem rosto. Através do site Creepypasta.com, uma comunidade para histórias paranormais, elas conheceram a figura do Slender Man, que se fixou no imaginário delas a ponto de acreditarem na sua real existência, e cometeram uma tentativa de assassinato a fim de agradar a entidade, que teria solicitado que elas matassem alguém. Assim, provariam sua devoção e seriam levadas até a "mansão" do Slender Man. É com a tentativa de assassinato de sua amiga que a internet e a vida presencial se sobrepõem de forma trágica, quase custando a vida de uma menina.
Knudsen, em uma entrevista dada em 2011 sobre a popularidade do meme que criou, afirmou achar muito interessante a forma como uma lenda urbana difere quando criada na internet. Se antes as pessoas eram ignorantes quanto à sua origem e para que o mito se perpetuasse era necessário que sua veracidade não pudesse ser verificada, quando essas lendas nascem online podem facilmente encontrar em uma comunidade o tópico que lhe deu início, mas, ainda assim, o meme se espalha.
Em algumas tragédias, é comum a culpabilidade recair sobre o entretenimento, ou seja, o lado fã do agente de um crime ser considerado como principal motivador. É o fã enquanto ser patológico, muito estudado nas pesquisas dessa cultura em meados de 1970, mas um enfoque que ainda resiste, como foi possível ver em 2012no massacre em Aurora durante a exibição do filme Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Will Brooker, especialista nos estudos sobre o fenômeno Batman, seu lugar no imaginário e seus fãs, defende que esses produtos podem tanto engrandecer as pessoas quanto dar forma a uma imaginação perturbada - o problema estaria no uso, não na criação.
Os conteúdos sempre podem ser lidos de diversas maneiras, principalmente quando são constantemente transformados de forma ativa pelas pessoas, como é o caso de um meme como Slender Man e todas as criações e recriações que envolve. Resta aguardar se, e até que ponto, alguma culpa irá recair sobre o site Creepypasta (que já precisou se posicionar em relação ao caso das meninas), a cultura digital ou até mesmo a cultura participativa.