Rosane de Oliveira
O silêncio do ex-presidente Lula, que emudeceu desde o aparecimento de Rosemary Nóvoa Noronha no lado B de sua biografia, já passou de constrangedor a suspeito. Não é possível que Lula nada tenha a dizer sobre a Operação Porto Seguro e sobre as acusações de tráfico de influência no seu governo. Não é possível que Lula se limite a dizer é mentira sobre as mais recentes declarações de Marcos Valério, segundo as quais ele sabia de tudo o que se convencionou chamar de mensalão e deu aval político aos empréstimos fictícios para pagar os partidos aliados.
Lula, o presidente que deixou o governo com índices recordes de popularidade, se apequenou ao fugir do dever que teria, como líder, de dar explicações a seus eleitores. O silêncio do ex-presidente não é o silêncio dos inocentes. É o silêncio de um homem que não tem como explicar o poder de uma mulher até então ignorada pela maioria dos brasileiros, mas bem conhecida dos que precisavam de nomeações, favores e portas abertas, numa mistura intragável entre o público e o privado.
Sempre pareceu difícil acreditar que Lula não soubesse das concessões feitas por José Dirceu aos partidos aliados para garantir apoio no Congresso, mas o ex-presidente conseguiu escapar das acusações de envolvimento com o mensalão, até porque foi protegido pelos companheiros e poupado pela oposição. Até Roberto Jefferson, o delator do mensalão, disse com tanta ênfase que Lula era inocente - naquele estilo teatral de advogado de júri popular -, que o então presidente se reelegeu sem dificuldade em 2006. Dizia-se que Lula tinha uma camada de teflon, o antiaderente que não deixa a comida grudar na panela. O teflon começou a descascar.
As acusações de Valério publicadas ontem no Estado de S.Paulo são um remake do que ele já havia dito à revista Veja, mas com tintas mais carregadas. Agora, Valério diz que pagou contas pessoais de Lula e que foi ameaçado de morte por um dos homens de confiança do ex-presidente. Se tivesse dito isso tudo quando depôs na CPI dos Correios, poderia ter derrubado o governo e, talvez, se beneficiado da delação premiada ou de uma redução de pena, como ocorreu com Roberto Jefferson. Mas não. À época, quando seu depoimento valia ouro, Valério não falou. Agora que foi condenado a mais de 40 anos de cadeia, suas declarações perdem parte da credibilidade, mas assim mesmo exigem respostas. E, no entanto, Lula se cala.
Lula, que à época do mensalão foi para a TV dizer que se sentia traído, mudou o discurso depois de deixar a Presidência. Passou a dizer que o mensalão era invenção da mídia e a tentar reescrever o que dissera no passado. Depois da Operação Porto Seguro e da descoberta de sua relação com Rosemary, fechou-se e viajou para não ter de dar explicações, confiando na força da imagem mítica que construiu.