
Garibaldi é uma cidade que mantém forte as raízes da cultura italiana com uma constante movimentação de pessoas de todos os lados, que encontram ali uma possibilidade de trabalho e suprem a necessidade de mão de obra que faltaria no município. Nesse meio do caminho, surgiu o coronavírus e a pandemia que mudou totalmente a rotina mundial. O número de pessoas do município que testaram positivo para covid-19 cresceu rapidamente, especialmente por dois motivos: dois surtos em frigoríficos e outro em uma indústria, e a testagem mais ampla da população. Pelos dados da Secretaria Estadual da Saúde, o município da Serra é o terceiro com maior incidência de casos para cada 100 mil habitantes, no Rio Grande do Sul.
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— Nós recebemos os testes do Estado e, no começo, fazíamos os testes do Lacen (Laboratório Central de Saúde Pública do Rio Grande do Sul) ambulatoriais. Depois, passou a ser só no hospital. Sentimos falta, porque quem consulta no posto de saúde não poderia mais fazer, só se precisasse ir para o hospital. Então, pensamos em comprar também esses testes para podermos fazer na atenção básica, no primeiro atendimento — afirma a secretária de Saúde de Garibaldi, Simone Agostini de Moraes.
A mudança de postura frente à pandemia teve reflexo no números de pessoas que tiveram ou têm o coronavírus. Com população estimada em cerca de 35 mil pessoas, Garibaldi havia registrado até ontem 345 casos positivos da covid-19. Destes, 277 estão recuperados e quatro morreram. No Hospital Beneficente São Pedro, três pessoas estão internadas por conta do coronavírus. Outros dois residentes da cidade foram transferidos para UTIs de municípios próximos.
— Temos um número real, que também assusta, porque é grande. Não vejo vantagem em esconder os casos. Temos que trabalhar com a verdade. É uma coisa que não é para apavorar, mas para tomar os cuidados necessários — explica a secretária de Saúde, alertando para o intuito do levantamento mais detalhado:
— Os médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde estão constantemente se qualificando durante esse período. Nas capacitações que eles vão sempre, é recomendado saber quem está positivo e onde está, com o objetivo de isolar a família inteira e controlar a disseminação.
Surtos e precauções

Focos iniciais dos casos de covid-19 no município, dois frigoríficos e uma indústria, pilares da economia local, precisaram se adaptar à nova realidade, em um trabalho em conjunto da vigilância sanitária, veterinários, vigilância epidemiológica e Ministério Público do Trabalho. Foram feitas visitas aos locais, apontando necessidades para que os cuidados fossem ampliados.
Entre as adaptações, a redução de turnos de trabalhos, de pessoas e até mesmo dos abates, nos casos das aves. Em um dos frigoríficos em que o surto foi mais intenso, o número de abates reduziu de 300 mil para 90 mil por dia.
A conscientização das pessoas que trabalham nesses locais também foi importante.
— As pessoas batiam o ponto, tiravam a máscara e botavam no bolso. Achavam que era uma obrigatoriedade só durante o expediente . Acho que isso não acontece mais, porque entenderam a necessidade do uso o tempo inteiro em que estiverem na rua — afirma a secretária.
Inicialmente, a cidade recebeu 80 testes do Lacen. Depois, mais 280. Por parte da prefeitura, foram comprados 800. Agora, há uma licitação para a aquisição de até 3,5 mil testes rápidos e 3,5 mil PCRs — que só serão pagos se forem de fato utilizados. Para isso, o valor investido gira entre R$ 600 mil e R$ 700mil.
— Nossa intenção é testar até 20% da população de Garibaldi. A nossa prioridade nesse momento é a saúde. A nossa e deveria ser de todas as cidades, Estados e países — declara Simone.
Maior incidência na Serra

Se Bento Gonçalves é a cidade com maior número de casos confirmados, tanto pelo levantamento das prefeituras como pela Secretaria Estadual, Garibaldi lidera quando se aponta a incidência de infectados em relação ao contingente populacional. Nesse aspecto, a cidade é a terceira do Rio Grande do Sul, ficando atrás apenas de Lajeado (cerca de 84 mil habitantes e 892 casos confirmados) e Saldanha Marinho (2,6 mil habitantes e 27 casos). Bento e Garibaldi são, junto com Farroupilha, as que desenvolveram um processo de testagem mais amplo, o que também ajuda a explicar tais números.
Para ser calculada a incidência, o número de casos é dividido pela população estimada do município e após multiplicada por 100 mil. É importante lembrar que os dados da SES são distintos aos das prefeituras municipais. Por exemplo: Garibaldi apresenta 345 casos confirmados pelo município, mas apenas 235 estão contabilizados pelo Estado, o que faz a incidência na cidade ser ainda mais significativa.
Secretária da Saúde valoriza estrutura de atendimento

Além da quantidade de testes, Garibaldi vive uma condição diferente quanto à estrutura de saúde para encarar a covid-19. São 10 postos de atendimento para a população em toda a cidade para atendimentos pelo SUS. No entanto, cerca de 60% da população possui algum plano de saúde e é atendida no Hospital Beneficente São Pedro, onde há uma estrutura temporária para os casos suspeitos de coronavírus. Para quem tem alguma síndrome respiratória aguda grave e precisa do atendimento de graça, o auditório do Posto de Atendimento Médico Gratuito (PAM), onde já é possível realizar inclusive um dos testes para detecção da covid-19, fica aberto 14 horas por dia.
— Qual é a cidade que tem 60% da população em plano? E que gasta R$ 700 mil em testes? Nós estamos bem, né? Temos os casos porque testamos. Se não fizéssemos, seríamos que nem outras cidades, com 100 casos — declara a secretária, fazendo um comparativo com outras localidades em relação ao número de pontos de atendimento:
— Têm bairros de Caxias com mais população que a gente e não tem 10 postos. Em Porto Alegre, o Morro da Cruz, tem 60 mil pessoas e um posto.

Por dia, o auditório do PAM realiza, em média, 40 atendimentos. Das pessoas que testaram positivo, apenas seis precisaram de atendimento de UTI. Dos quatro óbitos registrados na cidade, apenas um não recebeu atendimento médico antes do falecimento.
— Um caso que faleceu em casa, não estava nem na UTI. Trabalhou até a 1h37min da madrugada. Os outros receberam todos os cuidados. Teve um senhor que ficou uma semana mal e demorou a procurar ajuda, mas temos capacidade para atender todas as pessoas que precisarem — destaca a secretária, contando com o sistema de integração regional de UTIs para que pessoas da cidade possam ser transferidas para outras localidades em caso de necessidade.
Novas UTIs estão em funcionamento
As seis pessoas de Garibaldi infectadas pela covid-19 que até aqui precisaram de atendimento em UTIs tiveram de ser transferidas para outras cidades. Porém, desde o início desta semana, a cidade passou a ter 10 leitos específicos para atendimento intensivo, instalados no Hospital São Pedro.

— Tínhamos uma área de 500m² de uma maternidade, que estava em fase final de construção. Com recursos da comunidade e do poder público, antecipamos essa conclusão e fizemos leitos de isolamento — afirma Jaime Kurmann, administrador do hospital, sobre o espaço que começou a ser utilizado na segunda-feira (25), de fato, como UTI.
Com o número elevado de pessoas com planos de saúde e que têm no São Pedro a referência na cidade, foi preciso uma adaptação nos processos.
— É um aprendizado. Logo que iniciou, eram protocolos diferentes todas as semanas e tínhamos que retreinar o pessoal — diz o gerente administrativo da instituição, Rangel Carissimi, que alerta para uma situação recorrente na cidade:

— As pessoas estão adoecendo em casa, e muitas delas morrendo, por medo de vir para o hospital. Há um preconceito muito grande neste momento. Por isso, separamos os fluxos totalmente, para que as pessoas tenham essa sensação de segurança e isolamento.
Medidas diferentes no comércio
Com lojas vizinhas de porta, na tradicional Rua Buarque de Macedo, no centro de Garibaldi, Ana Marcon e Tanise Agostini tomaram medidas diferentes em seus empreendimentos. Uma fechou temporariamente, enquanto a outra abriu e tenta outros caminhos. Com a loja de roupas há 42 anos na cidade, Ana não chegou a retomar totalmente as atividades após a reabertura do comércio e, desde o dia 4 de maio, tomou uma decisão.
— Pensamos que não seria a renda desses meses que nos deixaria mais felizes. E, ficando assim, com a loja fechada nesses 30 dias, poderíamos nos cuidar. Então os contratos das duas funcionárias que temos, e que estão há mais de 30 anos na loja, foram suspensos para que elas pudessem receber o salário pela medida do Governo Federal. Em junho, vamos ver como será. Mas devemos abrir só no período da tarde — diz Ana, relatando que as portas fechadas não foram empecilho para que as clientes mostrassem de alguma forma o carinho por ela:

— A nossa clientela é seleta, antiga e vem sempre. Tem gente que está largando os pagamentos por baixo da porta, com os envelopinhos. E mandam mensagem dizendo que deixaram aqui.
Para Tanise, um caminho traçado há algum tempo começa a render frutos. Franqueada de uma loja, ela mantém o comércio aberto, mas aposta no atendimento individualizado:
— Nas duas primeiras semanas (da pandemia), trabalhamos só com o delivery. Depois, quando o comércio retornou, abrimos, mas seguimos apostando muito nas redes sociais. A gente já fazia isso antes. Facilitou porque as clientes já estavam acostumadas com esse serviço. Então é o dia todo no telefone.

Após a reabertura, duas funcionárias foram demitidas. A queda do faturamento fez com que as alternativas da empresária fossem ainda mais necessárias. A loja aberta traz um retorno pequeno, mas é uma situação inevitável, mesmo com o comportamento diferente dos clientes.
— As pessoas chegam e não querem ficar muito tempo. Querem pagar a prestação e ir embora. Como somos cidade pequena, vendemos muito no carnê. Muito difícil o cliente ficar olhando o produto na loja. Eles não querem mexer, não tem como provar. Então levam para casa e, quando voltam, a gente higieniza tudo.
A esperança das duas é pelo retorno da normalidade. Não só do comércio, mas da vida em Garibaldi. A cidade segue alerta, mas sem deixar de acreditar que isso vá passar.
— Eu vivo muito com a fé. Penso que todas as pessoas que não se amavam, que não estavam de bem com a vida ou que tivessem qualquer problema com alguém, chegou a hora de saber que somos todos iguais — conclui Ana.