
Adriano Duarte
Mesmo condenado em primeira instância pela Justiça caxiense por abusar sexualmente de duas pacientes, o médico traumatologista Paulo dos Santos Dutra continua exercendo a profissão.
Essa é uma situação normal, segundo o presidente Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers), médico Fernando Weber Matos. A Justiça avaliou apenas o crime atribuído a Dutra, mas não interfere na vida profissional do réu.
A decisão se o médico continuará atuando compete ao Cremers. O conselho abriu um processo interno para apurar se Dutra deve ir a julgamento. A punição pode ir de uma simples advertência à cassação. O processo leva até dois anos para ser concluído.
Pioneiro: É correto o médico Paulo dos Santos Dutra ter sido condenado duas vezes pela Justiça e continuar trabalhando na função?
Fernando Weber Matos: A condenação na Justiça criminal ou cível não interfere absolutamente em nada. Nossa condenação é ética. Na Justiça, busca-se indenização pecuniária (multa), a prisão ou prestação de serviços comunitários. São julgamentos diferentes. O nosso julgamento é sob o ponto de vista profissional. Ainda assim, depois que um médico é penalizado, ele pode recorrer no Conselho Federal de Medicina. Na maioria dos casos de abuso sexual, as pessoas não comprovam que existiu. Sem provas concretas, não podemos penalizar.
Pioneiro: Quais as penalizações?
Matos: Temos duas penalizações, que não são públicas e ficam reservadas. A maioria das decisões é reservada. O médico é punido por advertência escrita ou verbal e isso consta na ficha dele. Para casos mais graves, tem a censura aberta ao público, publicada em jornais de grande circulação. Mas isso depois de transitado em julgado no Conselho Federal e não existir mais nenhum recurso a ser feito. Também há a suspensão por 30 dias e a cassação.
Pioneiro: Quando ocorre a cassação?
Matos: A cassação serve para abuso sexual comprovado, cirurgias inadequadas e erros grosseiros, entre outros. Tudo isso é julgado por nós (Cremers). Ou seja, a cassação é um ato extremo porque se tira o direito do médico trabalhar pelo resto da vida, sendo que ele se preparou para a função durante 20 anos. Por isso, a cassação exige um maior cuidado e avaliação do conselho. Mesmo assim, nos últimos anos, três ou quatro médicos foram cassados, o que representa um índice bem grande. Mas todos por problemas comprovados, que não deixaram dúvidas para nós no Rio Grande do Sul e nem para o Conselho Federal.
Pioneiro: É o caso de suspender o médico condenado enquanto a decisão do Cremers não sai?
Matos: Depende. Existe a interdição cautelar, que serve para o médico com problemas psíquicos, que entra em surto ou usa drogas, o que é mais raro. A interdição é feita por meio de uma junta médica. O profissional faz o tratamento por um ano, daí volta a ser avaliado. Se a junta achar possível, se suspende a interdição ou se mantém. No caso do médico Dutra, está correndo o processo no Cremers. Estão sendo ouvidas testemunhas. Algumas que não quiseram vir a Porto Alegre foram ouvidas em Caxias. Ainda estamos na fase de instrução. Acreditamos que possamos encerrar essa fase em quatro ou cinco meses e, posteriormente, o caso vai a julgamento. O caso é de caráter sigiloso e não posso divulgar detalhes. Mas ele (Dutra) foi avaliado e não cabe interdição. Suspensão só se aplica na decisão final. Enfim, a interdição é total quando o profissional oferece risco à população.
Pioneiro: O tempo de duração de um processo do Cremers não é muito longo?
Matos: O tempo é previsto por lei federal. Normalmente, o processo finaliza em dois anos, mas tem um problema: a defesa usa muitas estratégias para prorrogar o julgamento. Ora o médico troca de advogado e começa tudo de novo. Ora o advogado pede para ler autos ou as testemunhas não comparecem. Perde-se um tempo enorme com os artifícios técnicos da defesa. No Conselho, as testemunhas não são obrigadas a comparecer, apenas os médicos. O Cremers arrola, por exemplo, 10 testemunhas que não são médicas. Aí elas não aparecem. Então, segue-se uma audiência atrás da outra. Um processo que deveria terminar em dois anos é espichado para mais um ano.
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