
Tanto na perspectiva de controle da pandemia quanto nos impactos sociais e econômicos gerados pelo coronavírus, tudo é incerto no que se refere ao futuro. A economista e professora da Universidade de Caxias do Sul Maria Carolina Gullo falou ao Pioneiro sobre as movimentações que a contaminação deve produzir em curto e médio prazo. Confira:
Parar é inevitável?
Tenho impressão de que é uma questão de tempo. Não só pela possibilidade de contaminação, mas também porque deverá faltar algum tipo de insumo para a indústria continuar trabalhando, em função de que algumas empresas param e mesmo as que funcionam parcialmente produzem menos. A dúvida é só se para agora ou tenta segurar por uns 15 dias para mais à frente. Outras conseguem realocar parte do trabalho para home-office. O que não pode parar são produtos essenciais, aí envolve alimentação, farmácia, higiene. Isso não tem como parar. Mas a indústria, em curto e médio prazo, é inevitável (a parada).
Acredito que nem a greve dos caminhoneiros se equipare a essa situação porque, naquela ocasião, era conhecido que tudo dependia de uma negociação, enquanto o coronavírus é algo que foge do controle institucional. A senhora recorda ter vivenciado momento semelhante na história?
Não recordo, e conversando com minha avó de 91 anos, que nasceu na Itália, viu muita coisa, fugiu de guerra, etc., mesmo ela disse nunca ter visto nada igual. A greve dos caminhoneiros a gente sabia que era uma questão de tempo, de acordo. Já naquela oportunidade havia uma necessidade de uma solidariedade na convivência, mas não entendemos muito bem. Agora, por uma força maior, vamos ter de entender. Não envolve uma simples parada, não é mera questão de logística, é uma questão de saúde.
É difícil projetar qualquer coisa, mas é possível estimar o que vai representar em impacto econômico?
Em números não, mas percebemos impacto já no comércio e em serviços. No restaurante que eu vou, o proprietário comentou que o movimento diminuiu 70%. A gente sabe que a Marcopolo, por ela parar, toda a cadeia produtiva de fornecedores vai acabar parando, e aí a vamos ter uma perspectiva de como vai impactar na indústria. Com relação à movimentação nas ruas, parece que estamos vivendo novamente o mês de janeiro, em que a cidade esvazia. Também fazemos apelo às pessoas diversificarem as compras, ajudar os pequenos serviços de bairros, para que eles também possam sobreviver neste período difícil.
A gente percebe uma reação relativamente ágil de governos municipais e estaduais do país em reconhecimento à gravidade da situação. Em âmbito de governo federal, há um discurso que ameniza essa gravidade. Acredita ser uma estratégia protetiva à economia do governo? Se sim, acha uma postura correta?
Difícil saber exatamente o que o governo federal quer neste momento. Claro que nenhum governo quer causar pânico, mas acho que todas as instâncias demoraram um pouco para reconhecer a gravidade do processo. No governo federal, a gente observa uma certa discrepância entre a fala do ministro da Saúde e o da Economia com os demais. Esses dois ministérios estão mais cientes e engajados, os demais, especialmente o presidente, não sei se é estratégia ou desconhecimento mesmo para negar esse processo, mas não tem como negar. Uma lástima que o discurso não seja igual entre todas as instâncias, seria o momento propício de haver mais união entre todos os entes.
As perdas na economia são inevitáveis. O Brasil vivencia ainda uma fase de crise mal resolvida. Ainda assim, acha que será necessário eventualmente abrir os cofres públicos ou isentar os empresários, empreendedores e trabalhadores para compensar esse momento?
Primeiro, temos de louvar as medidas já adotadas pelo Ministério da Economia. Acho que é por aí. O governo neste momento tem de fazer sua função, que é ajudar que o processo seja o menos traumático possível. Com relação ao pós-epidemia, é difícil precisar, mas pode ser que o governo precise por um período ajudar com algum tipo de subsídio setores mais atingidos, para poder dar o empurrão necessário para que a economia volte ao que estava até então. O primeiro semestre certamente vai ser perdido. Vamos torcer que o processo decorra o mais rápido possível para que não passe desse período. Todas as análises levam em consideração o que aconteceu nos outros países e quanto dura lá. É certo que a economia sofra uma baixa, mas precisamos tentar garantir que seja menos traumática.
Esse isolamento alfandegário que se cria de certa forma ensina algo sobre o país se organizar melhor, com uma economia autossustentável própria no futuro?
Economicamente falando, vai ser uma lição para haver mais planejamento das empresas, especialmente as pequenas, no sentido de ter sempre uma gordura financeira para eventuais desastres ou tragédias. Brasileiro não tem costume de fazer planejamento, não é o caso das grandes empresas, mas para as micro é mais difícil por haver a mistura do caixa da empresa com o caixa da família. E isso vai ser uma lição agora, porque, para sobreviver a esse período que pode durar dois ou três meses, vai exigir exatamente isso, que as empresas se organizem, olhem para o próprio caixa e se planejem. Do ponto de vista humano, isso vai ser um grande aprendizado: vamos ter de nos reinventar. Criar outras formas de produzir, de trabalhar, mesmo de casa. Ser mais solidário com o próximo, aprender a gerir os recursos financeiros num momento de crise. Aprender que não adianta ir no supermercado e esvaziar uma prateleira de papel higiênico, que isso não ajuda, pelo contrário, apenas cria mais pânico e não permite que outras pessoas tenham acesso a um item básico. De alguma forma, todos nós teremos lições ao longo deste processo.
Após tudo isso, como fica o cenário da economia mundial, me refiro ao comércio internacional. Vai ser um período de noite mal dormida e, quando o mundo acordar tudo voltará ao normal?
Não. Temos de controlar a contaminação, devemos cuidar até se criar uma vacina. O que precisamos é passar por esse pico, esse aparente descontrole. E o controle precisa ser contínuo até que se declare que não existe mais o risco de continuar a pandemia, e deve levar tempo. Não acredito que seja meramente uma “noite mal dormida”. Creio que as coisas vão começar a melhorar a partir do momento que as pessoas puderem retomar as suas rotinas, inclusive com necessidade de comprar, de consumir. Mas o ano vai ser de monitoramento, tanto do ponto de vista da epidemia, quanto da economia.