Foi depois dos 60 anos, já aposentado e distante das estradas percorridas como contrabaixista em conjuntos de baile e depois como caminhoneiro, que o caxiense Clóvis Stecanela Goulart, 66, embarcou numa viagem pessoal à própria infância, na Caxias do Sul dos anos 1960. Ao longo dos últimos anos o morador do bairro Capivari tem se dedicado a construir réplicas em miniatura de prédios que remetem à vida colonial na Serra, com riqueza de detalhes que ao mesmo tempo impressiona e encanta.
O projeto mais recente ao qual Stecanela se dedica é o da réplica da icônica Casa de Pedra, que atualmente abriga um museu na Rua Matteo Gianella, no bairro Santa Catarina. O aposentado cresceu no mesmo bairro e chegou a conhecer a família original que habitou a casa, os Lucchese, e guarda recordações também das brincadeiras com os amigos durante o período em que a construção esteve abandonada, após a família ter se mudado. A réplica carrega um misto de lembranças com imaginação - que, afinal, é como são construídas nossas memórias.
- É algo que está no meu DNA. Meu pai era construtor e eu ajudava como servente. Sempre gostei de construir e também de fazer trabalhos manuais - comenta.
Para erguer a réplica Stecanela utilizou materiais semelhantes aos originais _ pedras, tijolos e madeira - respeitando uma escala de sete centímetros para cada metro. O criador estima ter usado cerca de duas mil peças de tijolo e a 2,6 mil telhas de barro, sendo que a quantidade de pedras foi ainda maior.
Além de recriar cada cômodo, o aposentado também deu a cada um a mobília que o caracteriza, seja na cozinha, nos quartos ou nas áreas de serviço. Cada móvel e objeto, até as minúsculas canecas, bacias, penicos e tamancos, foi confeccionado pelas mãos de Stecanela, que também costurou a mão as roupas dos bonecos que representam os moradores da casa, envolvidos em seus afazeres domésticos como cortar lenha ou preparar um pão à moda antiga, no forno de tijolos ou no de barro.
COLÔNIA ANIMADA
Tão fascinante quanto o casarão histórico em miniatura é a vila colonial recriada por Stecanela, que transporta o visitante a uma época talvez ainda mais antiga do que a da própria infância do do artesão. Como se fosse uma versão particular do famoso parque Minimundo, de Gramado, a vila conta com cantina repleta de garrafões de vinho, bodega com fartura de queijo e salame, galpão para o repouso dos animais, igreja e um moinho para fazer farinha que funciona movido a um motor feito pelo próprio artesão, com o auxílio da engrenagem de uma antiga máquina de costura. A mesma engrenagem movimenta dois bonecos que serram uma tora de madeira.
Na igreja, Stecanela investiu em um sino de verdade, que pode ser tocado para escutar as badaladas. E, para dar um toque de humor, o caxiense homenageou um amigo que ele prefere não identificar, mas que está representado por um boneco caído ao chão próximo à escadaria da igreja.
- É como se São Francisco tivesse expulsado ele. "Aqui tu não entras" - brinca.
A vila demandou cinco anos de trabalho, muitas vezes durante dia e noite. Mas para artesão foi como uma terapia:
- Principalmente à noite, com as luzes acesas e escutando uma música que eu gosto, como Luar do Sertão, é um momento de relaxamento. Depois que larguei os palcos e a estrada, aqui é onde gosto de me divertir.
A construção das réplicas em miniatura não visam um objetivo específico, artístico ou comercial. São mais como um hobby, mas que o aposentado cogita vender diante de uma boa proposta, alugar ou emprestar para alguma exposição ou evento que celebre o legado da imigração italiana. Para o público em geral o trabalho ainda é inédito, uma vez que a estrutura nunca deixou o espaço que ocupa nos fundos da casa do artesão. Stecanela também produz trabalhos sob encomenda, através do contato (54) 99606.1953.