
Escolher um filme em cartaz, comprar os ingressos, garantir a pipoca, procurar o lugar na sala escura, assistir aos trailers dos próximos lançamentos e, finalmente, aproveitar a sessão.
A cena acima pode ser comum para muita gente, mas não é tão democrática quanto parece. Dos 65 municípios da Serra, apenas quatro possuem salas de cinema com programação regular, conforme dados do Observatório do Cinema e do Audiovisual, vinculado à Agência Nacional do Cinema (Ancine). São 18 salas espalhadas pela região: 12 em Caxias do Sul, quatro em Bento Gonçalves, uma em Gramado e outra em Nova Prata.
Cidades importantes do Nordeste gaúcho, como Farroupilha, Vacaria, Garibaldi e Flores da Cunha, não contam com nenhum espaço de exibição — realidade que se repete em 94% dos municípios do Rio Grande do Sul.
Tema da redação do Enem 2019, a democratização do acesso ao cinema no Brasil reacendeu o debate sobre a cadeia do audiovisual. E, se fatores como descentralização da produção e mecanismos de fomento são fatores essenciais nessa equação, o alcance do chamado “parque exibidor” também é importante na hora do produto chegar ao público.
Para o coordenador do curso de Produção Audiovisual - Cinema e Vídeo da FSG, Felipe Martini, a desigualdade na oferta impossibilita que muitas pessoas tenham acesso à experiência estética da sala escura.
— É algo excludente. Vale lembrar que o cinema de rua, que existia nas cidades menores, se tornou um empreendimento quase insustentável. Onde temos cinema hoje em dia? Principalmente nos shoppings — analisa o professor.

De fato, das 18 salas mapeadas pela Serra, apenas duas não estão em shoppings. Uma delas é o Cine Embaixador, em Gramado, que funciona junto ao Palácio dos Festivais. O espaço tem capacidade para receber 1,1 mil espectadores e oferece sessões às sextas, sábados e domingos.
O outro exemplo é o Movie Arte Nova Prata. Localizado numa das ruas centrais do município de 26 mil habitantes, o empreendimento mantém viva a cultura do cinema de calçada.
— Eu sou um pouco saudosista dos cinemas de rua, mas é difícil supor que, se houvesse mais salas disponíveis, as pessoas iriam abraçar. Até porque muitos lugares fecharam justamente pela baixa procura do público — pondera Martini.
MÉTODO
A listagem do Observatório do Cinema e do Audiovisual leva em consideração apenas os cinemas com exibições regulares de lançamentos. Dessa forma, espaços alternativos como a Sala Ulysses Geremia, no Centro de Cultura Ordovás, em Caxias do Sul, ficam de fora.
ABAIXO DA MÉDIA
Em Caxias do Sul, as 12 salas de cinema com exibição regular de lançamentos estão concentradas nos shoppings Iguatemi e Bourbon San Pellegrino, onde operam, respectivamente, as redes GNC e Cinepólis.
A oferta pode até parecer satisfatória, se considerarmos que há uma sala para cada 42,5 mil habitantes, enquanto a média nacional é de um cinema a cada 65,1 mil pessoas. O índice, no entanto, fica abaixo da média se compararmos com cidades do mesmo porte de Caxias, cuja população estimada pelo IBGE é de 510 mil habitantes.
Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, oferece 24 salas de cinema. A população do município fluminense é de 513 mil. Já Florianópolis (SC), com meio milhão de habitantes, possui 21 locais de exibição — mesmo número de Vila Velha, município capixaba com população estimada em 493 mil moradores.
Bento Gonçalves, por outro lado, está acima na média para cidades na faixa dos 120 mil habitantes. Enquanto a Capital Brasileira do Vinho oferece quatro salas de cinema, todas operadas pela rede Movie Arte, Uruguaiana (RS), Três Lagoas (MS) e Itabira (MG) não contam com nenhuma. Bagé, município na fronteira com o Uruguai que também está na casa dos 120 mil moradores, possui apenas um espaço de exibição.