
No final dos anos 1990, Cristiano Ronaldo era um adolescente que ainda carregava traços de uma criança “traquina” no fim de semana em que o Sporting enfrentaria o Nacional da Ilha da Madeira, clube da terra do craque que há uma década alterna com Lionel Messi a alcunha de melhor jogador do mundo. A festa que a família havia preparado para receber o prodígio, contudo, acabou frustrada por um castigo imposto pela direção do clube lisboeta após Ronaldo furtar um iogurte de um colega de alojamento. Revoltado por ser retirado do time para aquele jogo emblemático, o “gajo” chegou a pensar em abandonar o clube e a capital portuguesa.
– Ele ficou sem chão, porque sonhava em disputar aquela partida. Mas o que eu disse é que ele estava errado e que eu o teria castigado da mesma forma – recorda a mãe, Dolores Aveiro, 64, aquecida pelo calor da lareira no saguão de um hotel em Gramado, na última quarta-feira.
Acompanhada por dois seguranças e um assessor, a simpática progenitora do astro do Real Madrid visitou a Serra para conhecer o futuro empreendimento da filha Katia Aveiro, 40, um restaurante de comida portuguesa que irá se chamar Dona Dolores, na Avenida das Hortênsias. Além do nome, a homenagem irá se dar também nas receitas como o bacalhau à brás, prato preferido de CR7. A intenção é inaugurar a primeira filial brasileira (a matriz abriu em janeiro, na Madeira) durante algum dos jogos de Portugal na Copa do Mundo.
– O restaurante é uma oportunidade que amigos brasileiros propuseram e minha filha aceitou. Ela ficou encantada com a cidade, que é muito tranquila e se parece com a nossa terra – elogia.

Histórias como a que abrem esta reportagem estão no livro que Dolores aproveitou a passagem por Gramado para fazer uma sessão de lançamento, em um restaurante na Rua Coberta. Em Mãe Coragem*, a matriarca relata a dificuldade de criar os quatro filhos com os parcos vencimentos de cozinheira de escola, numa casa em que o marido pouco frequentava, ausente pelo trabalho como roupeiro no modesto Andorinha, – clube onde Ronaldo ensaiou os primeiros petardos com o pé direito.
– O pai não os maltratava e sentia muito orgulho dos filhos, mas era muito ausente e gostava muito de beber. Coube a mim ser mãe e pai ao mesmo tempo– recorda, diante de uma cuia de chimarrão e uma bacia de pipoca oferecidas pelo hotel na tarde gelada.
Um dos trechos de Mãe Coragem que alcançou rápida repercussão é a passagem que narra a tentativa de abortar a gestação de Cristiano Ronaldo. Com o discurso pronto, ela diz que o livro transmite uma mensagem a mães que porventura pensem em desistir diante das dificuldades que se anunciam.

– Eu sustentava meus três filhos com muita dificuldade e já estava com 30 anos, não queria outro. Tomei tudo o que podia para tentar abortar, mas não consegui. Então visitei um médico e ele me fez repensar, disse que eu ainda era nova e que um filho poderia dar muitas alegrias. Fui para casa triste por não poder abortar, mas ele tinha razão. Não importa se o filho vai ser jogador ou se vai ter outra profissão, é alguém que vai iluminar a vida dos pais e ajudá-los. Com dois braços e duas mãos para trabalhar, a gente consegue sustentar uma casa. Por isso a minha mensagem é que as mulheres não façam o que eu quis fazer – defende.
Surpresa pela dimensão do sucesso alcançado pelo caçula, Dolores projeta que pelo menos dois de seus netos sigam a mesma carreira, também com sucesso. Um é Dinis, oito, filho de Katia. Outro é o primogênito do craque.
– Logo na maternidade o médico disse que o Ronaldo tinha pés de jogador de futebol. Aquilo nos deixou felizes, porque toda a família é apaixonada por futebol e desde cedo ele demonstrou levar jeito. Só não imaginava que fosse chegar tão longe. Hoje, o Cristianinho (filho mais velho do jogador, de sete anos) joga melhor do que o pai jogava com a mesma idade. Mas enquanto o Ronaldo criava tudo da própria cabeça, Cristianinho já nasceu com um ótimo professor – compara.
Dos gramados para as telas?

Na semana em que Dolores Aveiro visita o Brasil (além de Gramado, promoveu o livro em São Paulo), o filho cujo patrimônio é estimado em 290 milhões de euros se prepara para buscar seu quinto título da Liga dos Campeões da Europa, contra o Liverpool, neste sábado. Em junho, o desafio será buscar o único título que falta na carreira, o da Copa do Mundo.
A mãe, que assistirá à final no estádio, mas só irá para a Rússia caso Portugal passe da primeira fase, considera que o filho não é um obcecado por títulos, mas sim por desempenho:
– Claro que as conquistas o deixam orgulhoso, mas o que o mantém focado é ser o melhor que ele puder. Desde criança foi assim. Chegava do treino, almoçava e já queria treinar de novo.
Quando perguntada até quando imagina que irá durar a carreira de CR7, Dolores surpreende:
– Acho que só mais três anos.
– Só mais três anos? – a reportagem indaga.
– Sim, ele já vai estar com 37. Quem vai querer um jogador velho? – rebate.
E o que a mãe imagina para o futuro do craque?
– Acho que ele vai ser ator. Tem estilo, leva jeito, é bonito como a mãe (risos). Ele mesmo já me falou que gostaria. Vamos esperar pra ver.
*o livro, co-assinado com Paulo Sousa Costa, é publicado pela editora Pontes. Preço médio: R$ 44.