Com os pés no chão e as unhas sujas de terra, me criei. Meu corpo-espírito de criança habitou um quintal imenso, rico em frutos e flores. A imensidão das copas das árvores faziam um interessante contraponto aos mínimos animais que ali viviam. O contraponto estava em mim também: tão pequena, me achava gigante quando, em habilidade nata, escalava até o abacateiro com seu tronco inconquistável. Lá no alto, via todo o vagaroso cotidiano da vizinhança do interior e me autoproclamava rainha. Eu era rainha do meu quintal. Sob outra perspectiva, aos oito anos, mais ou menos, eu era dona de mim.
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Cresci, mudei de casa, de vida, mas minha alma ainda reside naquele quintal tão fértil de terra vermelha brilhante. Em duros dias, volto nos anos, encontro a tranquilidade de estar deitada num galho alto da bergamoteira, olhando para o céu, sabendo que entre mim e Deus, só existe, a dança das folhas verdinhas orvalhadas. Em duros dias, busco a terra da infância, mas eu não tenho mais um quintal. Por suposto, certamente é por isso que criei um jardim interno, meu jardim d’alma. Lá tudo que se planta, dá.
Vendo necessidade, a vida trouxe meu jardim pra fora de mim. Planto em vasos, em taças, em copos, em xícaras. Cultivo temperos, flores, futuros e memórias. Planto minha tia me ensinando a trabalhar na horta. Planto minha mãe me dizendo pra jogar as cascas das frutas ao pé das árvores pra adubar. Me planto criança correndo solta de pés no chão. Planto minha filha se banhando em lama na varanda de casa, enquanto juntas, também, plantamos.
Com isso, apesar de morar em apartamento, estou sempre com as unhas encardidas de terra. Me orgulho das minhas unhas como se tivesse por hábito ir à manicure duas vezes por semana. É que a terra é meu salão de beleza.
Plantar é compreender o tempo das coisas. É entender que o tempo é seu próprio deus e a ninguém dá satisfações. Plantar me fez aceitar que não temos controle sobre tudo. Lá no interior dizem: essa pessoa age assim porque é da natureza dela. Cada um é o que é, se bem cuidado frutifica. É urgente que aprendamos a respeitar o que há de natural em nós.
Bom, o que sei é que vivo a lavrar terra pouca, esperando colheita máxima. Tenho esperança e respeito o tempo. Por costume, por necessidade, por sina. Nada que eu disser compreenderá o momento em que sou eu, a terra, a muda e a água. E, depois, eu, a planta e o dias.
A natureza não respeita o tempo criado pelo homem, ela tem o tempo dela. Ele é justo, compreende tudo. E eu, respeito o natural em mim, em nós. Aguardo pacientemente aquilo que está no porvir. Semeio, adubo, dou luz e água ao presente. Dada hora, futuro cresce, floresce, dá frutos. É a minha parte, meu ínfimo legado. Deixo aqui, essas palavras largadas às interpretações múltiplas, crendo que o melhor pode brotar.