
Uma das maiores especialistas e incentivadoras da região Uva e Vinho, Ivane Fávero prevê que 2021 vai ser o ano do enoturismo. Em função da pandemia, a vindima promete ter um movimento maior em relação aos últimos anos, justamente porque o mercado interno é fortalecido com as restrições para viagens internacionais.
Ao mesmo tempo que representa uma oportunidade inédita, a especialista internacional em enoturismo, que já foi secretária de Turismo de Bento Gonçalves e Garibaldi, destaca os desafios de receber tantos visitantes ao mesmo tempo, ainda mais com todos os cuidados necessários para evitar o contágio.
Ex-presidente e fundadora da Associação Internacional de Enoturismo (Aenotur), é capaz de analisar o cenário do setor com uma visão ampla. Recentemente, recebeu também o título Embaixadora do Turismo de Garibaldi, o que mostra a sua proximidade com a região, o que a credencia a identificar também o potencial local neste momento único.
Como será a próxima vindima na Serra com a pandemia?
Assim que surgiu a pandemia, criamos um Think Tank (espécie de fábrica de ideias ou centro de reflexão a partir de instituições ou grupos) de especialistas internacionais no setor de enoturismo e, no Brasil, com a Rede Ânima, de especialistas do setor turístico, para discutir o futuro do segmento. Para saber o que as pessoas iriam procurar... E foi consenso que o enoturismo seria um dos primeiros a ser retomado, pois sempre ofereceu biossegurança no âmbito sanitário, porque é setor de alimentos. Isso nos deu uma certa tranquilidade. Diferentemente da Europa, estamos chegando no verão e com a vindima. E o viajante brasileiro vai ficar por aqui, pois as perspectivas para ir ao Exterior não são nada favoráveis. Muitas fronteiras ainda estão fechadas, tem alta do dólar, escassez de voos e, quando tem, eles são muito caros. Isso tudo vai fortalecer o mercado interno. Nós tínhamos uma fraqueza nisso, que hoje se tornou força.
E como receber bem, em plena pandemia, um número maior de visitantes?
O que a gente está vendo é uma grande busca de informações e reservas muito antes do que o normal. E a preocupação é garantir a segurança dos turistas, trabalhadores e comunidade. É fundamental que se apliquem todos os protocolos. Que os empreendimentos avisem aos visitantes antes da viagem sobre essas exigências de segurança. Existe um ponto favorável: quase toda as atividades de vindima são ao ar livre, o que diminui o risco de contágio. Quem ainda não está criando experiências de enoturismo, que crie agora, pois chegou a hora. Vai ter demanda, porque as tradicionais estão quase lotadas. E, mesmo as que já têm oferta, vão ter que ampliar horários. O desafio é também por vários aspectos reunidos. É vindima, já tem todo o trabalho da colheita, e ainda tem que receber os turistas. Mas vamos ter duas safras excepcionais, a da uva e a do enoturismo. Acreditamos que vai ser muito forte em locais com experiências culturais autênticas. Assim como na safra, se contratam temporários para a colheita. Também no enoturismo, vamos precisar trabalhar nesse sentido. É hora de já começar a capacitar profissionais, especialmente para os finais de semana. A vindima é o tempo todo, mas as férias também vão ter essa mudança de perfil, e o principal fluxo será nos finais de semana. É uma oportunidade também para quem ficou com renda menor poder incrementar.
Você foi também uma das comentaristas da Avaliação Nacional de Vinhos, e como a qualidade da produção impacta para receber os iniciados e os não iniciados neste universo?
Com relação aos vinhos, destaque para os tintos de uvas mais tardias. Participo das avaliações há mais de 15 anos, e eu não me lembro de ter me surpreendido tanto com os tintos, o que nem sempre dá muito certo na região em função das chuvas de março. Os brancos confirmaram mais uma vez sua qualidade. A diferença dessa safra é que, enquanto outros países lastimam que a safra no meio da pandemia teve diminuição de produção e qualidade, aqui até tivemos uma redução de quantidade, mas a qualidade está ajudando a consolidar a imagem do produto brasileiro e sua identidade. Isso atrai especialmente os consumidores que viajavam para outros países da Europa, América do Norte e Sul, e nunca faziam enoturismo no Brasil. Tenho percebido esse tipo de visitante por aqui, que conhece muito, já bebeu vinhos de todo o mundo, mas tinha preconceito porque desconhecia o produto e a região. E há também outro público que está ingressando, aproveitou a pandemia para cursos e degustações orientadas. E agora quer conhecer os lugares que ouviu falar. Já se fazia enoturismo aqui desde o veraneio e a primeira Festa da Uva, mas não se tinha a consciência de trabalhar como experiência focada na percepção de valor ligada à produção de uvas e derivados. Em outros países, falam de viticultura heroica, pelos nossos terrenos difíceis, aqui na Serra, e temos mais é que valorizar tudo que se fez.
Como a região turística Uva e Vinho se relaciona com Hortênsias e Campos de Cima da Serra?
A oferta se complementa. O que a gente precisa é criar o conceito de Serra. Entender de fato o que é Campos, Hortênsias, Uva e Vinho... E tudo que cada um tem de oferta consistente, qualificada e diversificada para passar um bom período aqui ou retornar mais vezes. Mas o turista precisa saber que tudo isso é Serra, que está próximo, que é possível visitar tudo. É isso que vai auxiliar na vinda de outros visitantes do Brasil. As três regiões estão se qualificando muito, encontraram a sua identidade, mas precisam trabalhar essa complementaridade. Talvez a crise, que nos mostrou que só unidos podemos vencê-la, sirva para fortalecer a união turística da Serra.