O líder negro norte-americano Malcolm X, em discurso proferido na década de 1960, rebateu com ironia a acusação de que os integrantes do seu grupo religioso tinham ficha na polícia. Disse que não havia como ser negro nos Estados Unidos sem ter sido fichado pela polícia. Vivemos em outro tempo, cenário e contexto. Ainda assim, parafraseando Malcolm, é possível dizer que não há como ser negro no Brasil sem ter vivido pelos menos um episódio de preconceito ou ofensa racial.
O debate sobre a discriminação no País ganhou um novo capítulo na última quinta-feira, quando Aranha, goleiro do Santos, foi hostilizado por torcedores do Grêmio durante partida disputada na Arena. Diante desse episódio, a Rádio Gaúcha quis saber as dificuldades que os negros enfrentam no dia a dia.
Recebi a missão como um desafio. Em 30 anos de vida, já passei por diversos constrangimentos por questões étnicas. Reúno neste trabalho relatos pessoais e fatos que testemunhei ao circular por alguns pontos de Porto Alegre na tarde de segunda-feira (1º). São locais que frequento ou já frequentei. Lugares onde encontrei o preconceito sem maquiagem.
Passei por um restaurante, joalheria, loja de roupas, supermercados e três concessionárias de veículos. Comecei o roteiro por um shopping de classe média alta. De cara, vivi uma situação que conheço bem.
Em seguida, passei por um restaurante onde já enfrentei alguns problemas. No caso mais recente, ocorrido há pouco mais de um mês, o garçom, assim que fiz o pedido, solicitou que o pagamento fosse feito antecipadamente. Concordei. Ele deixou uma placa verde sobre a minha mesa. Quando fui até o caixa pagar, percebi que, nas outras mesas, todas ocupadas por consumidores brancos, as placas eram amarelas. Perguntei ao gerente qual o significado das cores dos objetos. Ele explicou que quem havia recebido a placa amarela poderia efetuar o pagamento após a refeição. Quis saber, então, por qual motivo a placa verde, que representava o pagamento antecipado, tinha sido colocada apenas na minha mesa. O gerente, constrangido com a pergunta, desconversou. Na visita que fiz na tarde de segunda-feira (1º), no entanto, o atendimento foi bem melhor.
Também estive em três concessionárias de veículos na zona norte de Porto Alegre. Na primeira, passei três minutos circulando pela loja até ser notado por um vendedor. Na visita seguinte, me senti o homem invisível. Fui solenemente ignorado.
Quando estava saindo da segunda loja, um homem branco entrou. Ele não esperou nem dois minutos até ser atendido. A última tentativa foi a mais promissora. O recepcionista foi solícito. Rapidamente chamou o vendedor, que demonstrou paciência e profissionalismo.
Por fim, estive na unidade de uma grande rede de supermercados. Na tarde passada, é bom registrar, não enfrentei nenhuma dificuldade. É o tipo de local que, no entanto, com alguma frequência, passo por certos constrangimentos. Nada relacionado ao atendimento, sempre adequado. A dificuldade é mais subjetiva. Está no olhar de alguns frequentadores que parecem incomodados com a minha presença. Duas ou três vezes, por exemplo, já fui “atropelado” pelo carrinho de supermercado conduzido por alguma senhora de humor duvidoso.