Por Fernando Goldsztein
Empresário e fundador do The Medulloblastoma Initiative
Confesso que ainda não tinha ouvido falar de Lily Ebert, apesar de ela ser uma verdadeira celebridade no TikTok, com mais de 2 milhões de seguidores. Ter milhões de seguidores nas redes sociais é uma proeza para poucos, mas não é tão incomum assim. A questão é que Lily tem 99 anos de idade. Sim, no dia 23 de dezembro deste ano, ela completará um século de existência. Mas mais relevante ainda é sua história de vida. Lily é uma judia húngara que viveu e sobreviveu a todos os horrores do Holocausto.
Quando os nazistas invadiram a Hungria, em Março de 1944, Lily tinha 20 anos e, junto à sua mãe e seus quatro irmãos mais novos, foi deportada para Auschwitz-Birkenau, um dos mais temidos campos de extermínio de judeus. Poucas pessoas sobreviveram aquele inferno. Lily foi uma delas.
Nas profundezas de Auschwitz, Lily prometeu a si mesma que, se sobrevivesse, dedicaria o resto de sua vida para contar ao mundo o que aconteceu no Holocausto. E é exatamente isso que ela tem feito nas escolas, nas redes sociais e no livro recém-lançado A Promessa de Lily. Trata-se de um testemunhal poderoso que representa a realização da sua promessa e também o ápice da sua vida dedicada à conscientização sobre a fase mais cruel da história da humanidade.
Ao invés de fazer uma resenha do fascinante livro de Lily, preferi apresentar aqui uma coletânea dos seus impactantes testemunhos. Com vocês, Lilly Ebert:
A verdade é que ninguém estava preparado para o que aconteceu. No início da guerra, ouvíamos alguns rumores, mas nós não acreditávamos neles. Como você pode acreditar no inacreditável? Como você pode imaginar o inimaginável?
(...)
Ao chegarmos em Auschwitz, minha mãe e minha irmãzinha caçula foram direcionadas para o lado direito. Eu e minhas duas irmãs, para o lado esquerdo. Aconteceu tão rápido que não tivemos tempo de trocar uma palavra sequer. E foi isso. Nunca mais as vi.
(...)
Que tipo de fabrica é esta? O que eles fazem aqui? Que cheiro horrível é este? Perguntei, ao chegar a Auschwitz a uma prisioneira que lá havia chegado antes de mim. Eles estão queimando as suas famílias lá, disse ela. Seus pais, seus irmãos, suas irmãs. Eles estão queimando todos.
(...)
Assim que chegamos em Auschwitz, não podíamos acreditar nos outros prisioneiros que lá se encontravam. Era impossível compreender. Há poucas horas estávamos no vagão com as nossas famílias... Bebês recém-nascidos, crianças de colo, pequenas e inocentes criaturas. Quem poderia pensar em matar numa câmara de gás outro ser humano que que nunca fez mal a ninguém? Uma criança? Como poderíamos acreditar nisso?
(...)
Como você pode crer que ainda é um ser humano? Quando você é forçado a viver em condições muito piores do que a de um animal? Mas era esta exatamente a intenção deles. Transformar-nos em sub-humanos.
(...)
Eu não consigo lembrar das sensações. Fomos despojados das nossas emoções, completamente desumanizados. Era como se o seu próprio corpo não pertencesse mais a você. Nem mesmo a sua mente. Sem pensamentos, sem planos, sem esperança, sem olhar para trás, sem olhar para a frente. Completamente dormentes. Nos tornamos autômatos.
(...)
“Trabalhar” era um privilégio. No momento em que você recebia algum tipo de trabalho a ser feito, seja limpar latrinas ou transportar cadáveres, naquele dia pelo menos, você teria a chance de manter-se vivo. Não havia nenhum tipo de vegetação em Auschwitz, nem mesmo grama. Pois se houvesse, nós a comeríamos…
(...)
Quando você está no meio daquele pesadelo, o cérebro não consegue processar as coisas direito. Mas, mais tarde, quando já se está distante do ocorrido, você precisa entender melhor o que tudo isso significou. Você começa a se fazer perguntas. Perguntas impossíveis. Não importa se você está acordado ou dormindo, estas perguntas não saem da sua mente. Porque eles mataram a minha mãe? Eu tinha uma família. Eu tinha uma casa. Eu tinha uma irmã e dois irmãos. Primos. Tios. Tias. Amigos. Vizinhos. Onde estão todos agora?
(...)
Não podemos esquecer que é preciso lembrar sempre! Nós precisamos contar ao mundo… Não podemos permitir que o mundo jamais esqueça. Temos que continuar contando às nossas crianças, e às crianças das nossas crianças.
Lily conta hoje com a ajuda de seu tataraneto Dov Forman, de apenas 16 anos. Dov introduziu Lily às redes sociais e tem sido determinante em disseminar a sua mensagem. Dov é, na realidade, a materialização da promessa de Lily. A garantia de que as novas gerações jamais esquecerão dos horrores do Holocausto.
Obrigado, Lily, pela sua dedicação e tenacidade em contar sua história ao mundo. A única forma de evitar que tragédias como essa voltem a acontecer é nunca esquecer que um dia aconteceram.