O escândalo de exames ginecológicos forçados em várias passageiras, após a descoberta de um bebê recém-nascido abandonado no aeroporto internacional de Doha, pode desferir um sério golpe nos esforços do Catar para melhorar sua imagem antes da Copa do Mundo de 2022.
Em 2 de outubro, agentes do aeroporto de Doha retiraram passageiras de um voo para Sydney, obrigando-as a fazer testes para determinar se alguma havia dado à luz recentemente após a descoberta do recém-nascido abandonado nos banheiros.
Pequeno país do Golfo Pérsico muito rico em gás, o Catar ganhou prestígio internacional, devido aos investimentos em mídia, esporte e cultura. Em 2022, o emirado será o primeiro país árabe a sediar uma Copa do Mundo de Futebol.
Com sua frota ultramoderna e serviços de luxo, a companhia aérea nacional Qatar Airways é uma das mais prestigiadas do mundo e sua reputação também pode ser afetada pelo incidente, estima Mark Gell, fundador da Reputation Edge, empresa de consultoria de imagem.
— Foi responsabilidade da companhia aérea? Não sabemos. Mas isso pode ter um impacto sobre os negócios — disse.
A Austrália é um mercado particularmente importante para a Qatar Airways. Antes da pandemia de covid-19, a empresa operava em seis cidades do país. No pior da crise, até se gabou de repatriar australianos em perigo, quando seus concorrentes suspenderam os voos.
Evitar a Qatar Airways
Os australianos — especialmente as mulheres — certamente "evitarão a Qatar Airways como uma peste", disse Alex Oliver, diretor de pesquisa do instituto Lowy, de Sydney.
— É uma decisão chocante de um país que gastou bilhões de dólares de dinheiro público para tentar dar a imagem de um Estado mais liberal — avaliou.
O Catar é regido pela lei islâmica, que pune com prisão mulheres que engravidam ou fazem sexo fora do casamento. Ativistas há muito defendem a descriminalização dos "casos de amor", que envolvem mulheres, especialmente imigrantes, que engravidaram fora do casamento.
Elas geralmente dão à luz sem a ajuda de médicos, que são obrigados a notificar esses casos em um país de 2,75 milhões de habitantes, onde 90% da população é estrangeira.
O Catar deveria "examinar a política que levou a este evento (o abandono do bebê) em primeiro lugar", afirmou a ONG Human Rights Watch.
Traída
Apesar de seus esforços de comunicação, não é a primeira vez que o Catar vê sua imagem afetada. O país é regularmente criticado pelas condições de trabalho dos migrantes, principalmente daqueles contratados para trabalhar em sites de futebol da Copa. O país também é frequentemente criticado por financiar o jihadismo, apoiar a Irmandade Muçulmana e criminalizar a homossexualidade.
O governo do Catar não reagiu ao incidente no aeroporto, apesar da reação furiosa da chanceler australiana, Marise Payne, que chamou o incidente de "extremamente perturbador, chocante, preocupante". A direção do aeroporto não pediu desculpas, mas afirmou que o bebê está vivo e em tratamento.
"As pessoas que tiveram acesso à área específica do aeroporto onde o recém-nascido foi encontrado foram convidadas a auxiliar na investigação", afirmou em nota.
Para Oliver, essa reação "tão dura e intransigente" contrasta com as ambições de um país que se preocupa principalmente com sua imagem internacional.
— Não consigo parar de pensar nas minhas filhas, se elas estivessem naquele avião. Isso me deixa doente, me sinto traída pelo país onde moro — disse uma expatriada que mora em Doha, que pediu anonimato por temer represálias.