ROMA – Paolo Violini subiu a escadaria de joelhos.
"Veja, não é difícil", observou Violini, especialista em restauração dos Museus do Vaticano, enquanto escalava vagarosamente a escada com afrescos que levava a uma capela papal, antes privada, em Roma. Ele admitiu que era uma maneira pouco usual de subir um lance de escadas, mas, também, como Violini notou, aqueles eram degraus "únicos".
A tradição católica romana defende que essa é a mesma escada de mármore que Jesus subiu em seu julgamento diante do prefeito romano Pôncio Pilatos. Acredita-se que a escada tenha sido trazida de Jerusalém para Roma em 326 d.C. por Santa Helena, mãe do imperador Constantino e colecionadora de todas as coisas referentes a Jesus. (Ela também pensava ter encontrado vários vestígios da crucificação, incluindo pregos e madeira da "cruz verdadeira".)
Não demorou a se tornar uma atração para os peregrinos, que ainda percorrem os degraus – instalados em um santuário do outro lado da Basílica de São João de Latrão – de joelhos, como um ato de penitência, enquanto refletem sobre a paixão de Cristo.
Contudo, não tocam o mármore propriamente dito, que foi protegido por um revestimento de madeira de nogueira em 1723. Agora, no dia 11 de abril, pela primeira vez em 300 anos, a escadaria original foi revelada ao público por Violini e autoridades eclesiásticas. Ela ficará descoberta por dois meses, enquanto o revestimento de madeira está sendo restaurado.
Ao longo dos séculos, mãos, pés e joelhos de peregrinos deixaram sulcos no mármore, que está tão gasto em algumas partes que é possível ver a pedra áspera sob sua superfície.
"Não tínhamos a menor ideia do que seria aquilo e, a cada degrau revelado, sentíamos uma nova emoção", recordou Violini. O efeito geral é o de uma cascata de água, congelada no tempo.
As ranhuras se multiplicam perto de uma grelha – marcada pela cruz medieval – que cobre um ponto onde fica uma mancha, supostamente uma gota do sangue de Jesus. O mármore foi desgastado pelo toque de incontáveis peregrinos que enfiavam o dedo através da grade.
Ao tocarem o ponto, os devotos tentavam se conectar com o sagrado, justificou o reverendo Francesco Guerra, diretor do santuário, que foi confiado aos cuidados dos padres passionistas no século XIX. Guerra disse que, em meio a séculos de poeira, os restauradores já encontraram moedas, fotos, orações e pedidos de bênção escritos a mão.
A divulgação da escadaria marca a conclusão de um projeto de 20 anos para restaurar o santuário do século XVI, desenhado justamente para abrigar a escada pelo arquiteto Domenico Fontana, que transformou Roma sob o comando do papa Sisto V.
Embora a escada e a capela sejam um grande ponto de peregrinação, atraindo meio milhão de visitantes por ano, encontrar doadores para a restauração não foi fácil.
"Nem todo mundo compreende a Escada Santa. Não é uma restauração glamourosa, como a da Capela Sistina", opinou Mary Angela Schroth, que está supervisionando o trabalho e descreveu o conjunto de degraus como "o último grande projeto de conservação da Roma do fim do século XVI".
Trabalhando de 1587 a 1590, uma equipe de artistas, incluindo o paisagista flamengo Paul Bril, usou a técnica de pintura afresco para retratar cenas do Antigo e do Novo Testamentos ao longo de mais de um quilômetro das paredes do santuário. Com o passar dos séculos, a fumaça das velas, a poluição e a pintura sobreposta deixaram os afrescos quase incompreensíveis. "As pinturas escureceram de tal modo que você não conseguia reconhecê-las", disse Guerra.
Finalmente, Schroth conseguiu a atenção, e a carteira, da Fundação Getty e dos Patronos das Artes dos Museus do Vaticano, grupo formado em sua maioria por filantropos britânicos e americanos e por doadores individuais como John e Virginia Gildea, de Palm Beach, na Flórida, que contribuíram com o restauro de uma capela no santuário e um ciclo de afrescos representando a Via Crúcis.
Os restauradores do Vaticano foram meticulosos, retocando até mesmo séculos de grafite sobre as pinturas.
A restauração da escadaria deveria ter durado quatro anos, mas levou seis. O orçamento inicial de dois milhões de euros, quase nove milhões de reais, foi ultrapassado em aproximadamente 600.000 euros (quase três milhões de reais). Os restauradores do Vaticano foram meticulosos, retocando até mesmo séculos de grafite sobre as pinturas.
Detalhes que há muito haviam sido perdidos foram redescobertos com a restauração dos luminosos afrescos da última fase do Maneirismo (e com a instalação de modernas luzes de LED). "Recuperamos a luminosidade e o espírito do fim do século XVI", afirmou Violini, cujo currículo inclui a restauração dos Quartos de Rafael, da Capela Sistina e da Capela Paulina no Vaticano.
O trabalho pode atrair mais turistas ao santuário. A última vez que o local virou notícia foi há 20 anos, quando o restauro dos afrescos do fim do século XIII na capela privada no topo da escadaria, conhecida como Sancta Sanctorum, reacendeu o debate sobre as origens da arte renascentista.
Descobriu-se que os afrescos eram de autoria de um artista não identificado cujo estilo inovador sugeriu que Roma possuía uma escola de pintura tão bem-sucedida como a da Toscana, que há muito tempo é considerada a região onde nasceu a arte renascentista.
O último papa a visitar a Sancta Sanctorum foi Pio IX, que esteve ali na véspera da invasão das tropas piemontesas que acabou com o poder temporal papal em 1870.
A capela guarda relíquias veneradas de santos e mártires dos primeiros séculos do cristianismo, bem como uma imagem acheiropoieta de Jesus, tipo de representação cuja crença diz não ter sido feita por mãos humanas, mas sim milagrosamente.
Uma vez concluída a restauração das placas de nogueira – que estão em impressionante estado de conservação –, elas serão recolocadas sobre os degraus. "A madeira é mais flexível que o mármore, por isso é mais resistente ao uso", explicou Violini.
Por ora, no entanto, peregrinos e turistas poderão ajoelhar-se exatamente no mesmo trajeto que milhões percorreram antes deles.
"Essa necessidade de tocar é uma maneira concreta de buscar a bênção de Deus", concluiu Guerra.
Por Elisabetta Povoledo