Wurstboro, Nova York – Há 200 anos, quando a região de Catskill era um dos centros de fabricação de sidra dos jovens Estados Unidos, mais de 14 mil variedades de maçãs cultivadas na região nordeste do país haviam sido identificadas.
Mas, em meados do século 20, esse número baixou drasticamente. E em 2008, quando Andy Crown Brennan e sua esposa, Polly Giragosian, compraram uma antiga fazenda com a intenção de plantar um pomar no Condado de Sullivan, em Catskills, perto do velho Canal Delaware & Hudson, foram informados pelo serviço da Cornell Cooperative Extension de que o solo raso de ardósia azul da região não era adequado para maçãs.
Sem desanimar, eles prosseguiram com seus planos, plantando fileiras de macieiras anãs, que não crescem muito e, portanto, propiciam uma colheita mais fácil. Nessas mudas, o casal enxertou suas variedades preferidas de maçã, incluindo antigas variedades do estado de Nova York e de maçãs inglesas e francesas, desenvolvidas por sua alta acidez e taninos. Como a Cornell previu, o pomar não foi para a frente.
As plantas anãs têm sistemas de raízes superficiais, por isso precisam de estacas para que as árvores não cedam devido a seu próprio peso. Elas necessitam de pulverizações, porque seu sistema imunológico é fraco. O terreno circundante deve ser limpo porque as árvores, roubadas da diversidade genética através de anos de clonagem, não conseguem competir com gramíneas, ervas daninhas e outras árvores.
É dessa maneira que a maioria dos pomares americanos modernos é cultivada.
"Essas árvores não podem sobreviver na natureza. É por isso que a cultura de maçãs é a que mais usa pesticidas nos EUA", disse Brennan.
Mesmo assim, em suas caminhadas, Brennan descobriu algo peculiar sobre sua região: o Condado de Sullivan, apesar do que a Cornell disse, estava cheio de macieiras. Algumas, a julgar por sua plantação ordenada, já haviam sido cultivadas em pomares; mas outras eram claramente selvagens, provavelmente cultivadas a partir de sementes depositadas de modo natural pelos animais que haviam comido maçãs.
Ao perder sua colheita, Brennan começou a coletar essas variedades não identificadas e a usá-las para fazer uma ótima série do que chamou Homestead Locational Ciders, produzida na sua Aaron Burr Cidery em Wurtsboro.
A história de Brennan é uma das que mostram o fascinante renascimento da produção de sidra a poucas horas da cidade de Nova York. Alguns produtores, como ele, estão buscando espécies em áreas improváveis.
Erik Longabardi vive em Roslyn, Nova York, subúrbio do Condado de Nassau. Ele encontrou e recolheu maçãs selvagens de árvores às vezes solitárias espalhadas pelo condado, e produziu uma série de sidras sob o rótulo Floral Terranes.
Muitos produtores de sidra estão no Vale do Hudson, uma área histórica de cultivo de maçãs a leste das Montanhas Shawangunk, que separam o vale, e Catskills, a oeste. A maioria se concentra em variedades antigas e europeias de pomares estabelecidos.
Entre eles estão Josh Morgenthau, que em 2016 estabeleceu a Treasury Cider nas terras de sua família, Fishkill Farms, em Hopewell Junction, Nova York, e Andrew Emig e Carolyn e Karl duHoffmann, que produzem conhaques de maçã em cooperação e depois se uniram a Jeff Soons, da Soons Orchard, em New Hampton, Nova York, para criar a Orchard Hill, que faz sidras com as maçãs de Soons.
Todos compartilham um profundo desejo de compreender as tradições, nuances e complexidades das maçãs e das sidras. Eles são a última onda de um grande renascimento da bebida no nordeste, chegando até a Nova Inglaterra e os Lagos Finger no oeste de Nova York, e ao sul, rumo aos Apalaches.
Para quem está acostumado com a maioria das sidras comerciais, normalmente feitas de concentrados adoçados e às vezes com sabor artificial, essas sidras autênticas são uma revelação. A maioria é seca, com os sabores das maçãs e da região. De fato, essas frutas também expressam um sentido do lugar, que os amantes do vinho chamam de terroir.
Cada uma das 300 árvores que Soons plantou no início, há 10 anos, foi agora enxertada com o tipo de maçã selvagem que ele recolheu. Além disso, plantou cerca de cem mil sementes nos morros de sua propriedade, acreditando que em uma década irão produzir o tipo de maçã ácida e cheia de tanino, responsável por grandes sidras.
"Não estou tentando criar um pomar, mas sim uma encosta de maçãs", disse ele.
Uma sidra feita a partir de maçãs colhidas em Mamakating Hollow em 2017 é intensa e pura, herbácea e levemente tânica, com um retrogosto delicado de hortelã. A sidra Shawangunk Ridge, um pouco mais velha, é completamente diferente, com um forte sabor de maçã temperado por um umami (composto pelo glutamato, o inosinato e o guanilato, substâncias que realçam o sabor dos alimentos) subjacente, quase exagerado.
Nem é preciso dizer que essas sidras e quase todas que provei casariam perfeitamente com a comemoração da colheita de outono, também conhecida como Ação de Graças. A maioria varia de 7 a 9 por cento de álcool, muito menos que os típicos 12 a 14 por cento do vinho.
No Vale do Hudson, ninguém duvida da adequação do local às maçãs. Soons, cuja família cultiva a fruta há mais de um século, acredita que seja uma das melhores regiões do país para isso.
"É a natureza do solo: muito velho, muito rochoso, com pH natural decente e boa drenagem. As maçãs gostam dele, e o clima é perfeito", disse ele.
A maioria das maçãs, pelo menos. Nos últimos anos, Soons acrescentou quase dois hectares de maçãs de sidra inglesas, que, como ele e outros descobriram, não estão tão bem adaptadas ao Vale do Hudson. Elas são particularmente suscetíveis à praga do fogo, uma doença bacteriana.
Com as maçãs inglesas que conseguiu colher em 2017, a Orchard Hill fez a Bitters and Sharps, que ainda está envelhecendo, mas é forte, ácida e deliciosa, com grande frescor e energia. Outra sidra, a Gold Label, é gentilmente doce, mas bem equilibrada e refrescante. A Orchard Hill também faz a Ten66 Pommeau, uma mistura de conhaque e suco de maçã que tem o gosto da fruta caramelada.
Josh Morgenthau, em Fishkill Farms and Treasury Cider, também enfrentou desafios no cultivo da maçã europeia. Quando retornou à fazenda da família em 2008, formado em artes plásticas, pretendia pintar a paisagem. Em vez disso, apaixonou-se pelo cultivo das macieiras.
Fishkill foi comprada em 1913 por seu avô Henry Morgenthau Jr., que foi secretário do Tesouro do presidente Franklin D. Roosevelt. Seu filho Robert Morgenthau cuidou da fazenda mesmo enquanto foi promotor distrital em Manhattan, de 1975 até 2009, e seu filho, Josh Morgenthau, está agora no comando.
Fishkill Farms tem muitas variedades, como a golden delicious e a mcintosh, plantadas décadas atrás, em seus 28 hectares de macieiras. Quando Josh Morgenthau chegou, resolveu plantar variedades locais mais antigas como ashmead's, golden russet, newtown pippin e esopus spitzenburg, todas muito boas para comer. Só mais tarde percebeu que também havia plantado maçãs boas para a sidra.
Batizou sua bebida de Treasury em homenagem ao avô.
As sidras Treasury são feitas de misturas de maçãs do pomar da propriedade, todas bem diferentes entre si. A Onda 2016 é bem seca, com aroma exuberante de maçã madura e um toque cítrico. A Burr Knot parece mais picante e exótica, enquanto a Farmer's Motel é salgada, pura, rica e deliciosamente austera.
Como muitos produtores de sidra, Morgenthau acredita que a diversidade de maçãs rende um produto melhor e mais interessante.
"Muitas maçãs ficam melhores quando misturadas. A diversidade faz parte da tradição", disse ele.
Recentemente, Morgenthau recolheu sementes de algumas de suas maçãs de sidra favoritas e plantou dois mil pés em um campo. Ele planeja deixá-los crescer e ver qual será o resultado. Cada pé que se originou de uma semente e não de uma muda será diferente e, talvez com essa diversidade genética maior, a sidra do Vale do Hudson possa realmente renascer.
Por Eric Asimov