O ataque americano à Síria tende a provocar uma escalada na tensão mundial que esbarrará nos limites da retórica e do bom senso. Essa é a conclusão de analistas, que buscam compreender o episódio amparados em lógicas comerciais, como a de que os Estados Unidos estariam querendo marcar terreno em relação à rival China. Em lógicas políticas, como a de o governo mostrar força para um Congresso refratário. E, simplesmente, psicanalíticas, como a que vê o presidente Donald Trump na condição de alguém impulsivo e errático.
O mundo prende a respiração olhando para a Rússia e teme uma resposta até mesmo bélica, em réplica do que ocorria na polarização imposta pela Guerra Fria. Os russos, afinal, mantiveram desde aquela época a aliança com a Síria hoje comandada por Bashar al-Assad, o atual representante de uma dinastia. Autoridades americanas sustentam que não houve surpresas: os russos foram avisados antes do lançamentos dos mísseis, para que seus soldados pudessem ser retirados da base militar atingida.
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Professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Jorge Ramalho não teme escalada que vá além da retórica. Vê marcação territorial em recado para a China, a adversária comercial.
– Ninguém tem interesse em escavar essa história. É marcação de território para negociar com a China – diz.
O professor Paulo Visentini, da UFRGS, vê Trump como um líder que age "por impulsos" e acredita que a Rússia é "cautelosa" no momento de se sentar à mesa das negociações internacionais.
– Foi uma irracionalidade – define ele, em relação ao comportamento de Trump, lembrando que o presidente americano costumava atribuir os problemas sírios não a Al-Assad, mas ao Estado Islâmico (EI).
Os russos mantêm discurso áspero. O porta-voz Dmitry Peskov definiu o ataque americano como "agressão contra um Estado soberano, baseada em pretextos inventados" e disse que a ação "causa dano considerável nas relações russo-americanas, que já se encontram em um estado lamentável".
Os pretextos a que se refere o russo seriam o suposto uso de armas químicas. Os analistas concordam. Dizem que elas podem ser utilizadas por Al-Assad ou pelos insurgentes na mesma medida.
A professora Cristina Pecequilo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), projeta dois contextos novos a partir do ataque americano: "terminará a ilusão de que Trump e Putin podem trabalhar juntos" e "haverá escalada de tensões", com bombardeios pontuais na Síria, mas sem confronto direto:
– Os EUA querem marcar território para o público interno e a China. Trump vem de derrotas no Congresso. Tenta uma reafirmação. Já estamos vivendo uma pequena réplica da Guerra Fria. Agora, ela deve ficar mais quente, mas certamente os dois países não vão se bater de frente.
A Rússia pediu reunião urgente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para discutir o assunto. O embaixador russo no organismo, Vladimir Safronkov, alertou para "consequências negativas" da ação militar. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, pediu "moderação", em nota. As condenações aos EUA foram de óbvias, caso do Irã, a surpreendentes, como parlamentares democratas e republicanos críticos à ação centralizadora do seu presidente, sem consulta ao legislativo. Trump alega questões de segurança nacional para ter agido assim.
Já países aliados dos EUA, como Alemanha, França, Israel, Japão, Reino Unido e Turquia, disseram entender que o lançamento dos mísseis foi necessário para combater um governo que está atacando a própria população. Os governos alemão e francês puseram a culpa do ocorrido em Al-Assad, por subjugar a população síria, e disseram ter sido avisados pelos EUA. Em muitos desses países, pessoas protestaram nas ruas contra Trump.