Herat, Afeganistão - Um dos comandantes mujahidin mais poderosos do Afeganistão, Ismail Khan, está pedindo que seus seguidores se reorganizem e defendam o país contra o Talibã enquanto os exércitos ocidentais se retiram, numa demonstração pública de pouca confiança no governo nacional e no Exército Nacional Afegão, criado pelo ocidente.
Khan é um dos mais fortes num grupo de chefes militares que definiram a história recente do país combatendo os soviéticos, o Talibã e uns aos outros, e que então foram levados ao gabinete do presidente Hamid Karzai como símbolo de unidade. Hoje, ao anunciar a remobilização de suas forças, Khan irritou autoridades afegãs e alimentou temores de que outros líderes regionais possam seguir seus passos e se rearmar, enfraquecendo o apoio ao governo e aumentando a probabilidade de uma guerra civil.
Em novembro, Khan reuniu milhares de seus apoiadores no deserto ao lado de Herat, capital da província ocidental e centro de sua base de poder, instando-os a coordenar e reativar suas redes. E ele começou a convocar novos recrutas e organizar estruturas distritais de comando.
- Somos responsáveis por manter a segurança em nosso próprio país e não deixar que o Afeganistão seja destruído novamente - afirmou Khan, ministro da energia e da água, numa coletiva de imprensa em novembro, em seu escritório em Cabul. Após enfrentar críticas, porém, ele teve o cuidado de não enquadrar sua ação como um desafio ao governo: - Existem partes do país onde as forças do governo não conseguem operar, e nessas áreas os locais devem se apresentar, tomar armas e defender o país.
Karzai e seus apoiadores, no entanto, não viram isso como um gesto altruísta. O governador da província de Herat classificou a reorganização de Khan como um desafio ilegal às forças nacionais de segurança. E o porta-voz de Karzai, Aimal Faizi, criticou Khan concisamente.
- As declarações de Ismail Khan não refletem as políticas do governo afegão - declarou Faizi. - O governo do Afeganistão e o povo afegão não querem nenhum grupo armado irresponsável se formando fora das estruturas legítimas das forças de segurança.
Em Cabul, as ações provocadoras de Khan tiveram destaque na mídia e geraram uma forte reação de alguns membros do parlamento, que afirmaram que os chefes militares estariam se preparando para tirar proveito da retirada das tropas americanas, programada para 2014.
- Pessoas como Ismail Khan sentem o cheiro de sangue - disse Belqis Roshan, um senador da província de Farah, numa entrevista. - Eles acham que assim que as forças estrangeiras deixarem o Afeganistão, eles terão novamente a chance de começar uma guerra civil, e atingir seus objetivos nefastos de obter riquezas e eliminar seus rivais locais.
De fato, Khan não é a única voz pedindo uma nova aliança dos mujahidin contra o Talibã, e algumas das outras são igualmente familiares.
O marechal Muhammad Qasim Fahim, um comandante tadjique que é o primeiro vice-presidente de Karzai, declarou num discurso em setembro: "Se as forças de segurança afegãs não são capazes de travar essa guerra, elas chamam os mujahidin".
Outro importante combatente mujahidin, Ahmad Zia Massoud, disse numa entrevista que as pessoas estavam preocupadas com o que aconteceria após 2014, e ele estava dizendo aos seus seguidores que realizassem preparações preliminares.
- Eles não querem cair em desgraça novamente - afirmou Massoud. - Todos tentam ter algum tipo de plano B. Algumas pessoas estão prestes a se rearmar.
Ele apontou a importância do preço dos rifles de assalto Kalashnikov ter subido para cerca de US$ 1.000, empurrado pela demanda, de US$ 300 uma década atrás. - Toda família quer ter um AK-47 em casa - disse ele.
- Os mujahidin vêm até aqui para falar comigo - acrescentou Massoud. - Eles me dizem que estão se preparando, e estão tentando encontrar armas. Eles vêm de aldeias, do norte do Afeganistão, até mesmo algumas pessoas dos subúrbios de Cabul, e dizem estar assumindo a responsabilidade de oferecer segurança privada em seus bairros.
Ainda assim, há tempos existem temores sobre o ressurgimento dos chefes militares, após mais de uma década de esforços de autoridades afegãs e seus aliados ocidentais para construir um governo nacional inclusivo e cooptar a influência de alguns dos líderes de facções.
Um alto funcionário ocidental em Cabul viu as ações de Khan como o início de uma onda de posicionamento político antes da transição de 2014, e disse que seria bom ficar de olho. Os aliados querem evitar qualquer repetição da guerra civil da década de 90, que levou à fuga de centenas de milhares de afegãos. Uma nova guerra civil anularia grande parte do que o ocidente vem tentando realizar.
Khan é uma das principais figuras da resistência contra os soviéticos e o Talibã, e sua base de poder na província de Herat, na fronteira com o Irã, permaneceu relativamente próspera durante a guerra - apesar de um recente aumento nos sequestros e ataques militantes.
Após anos consolidando o poder nas décadas de 80 e 90, ele foi forçado a sair de Herat quando o Talibã tomou a cidade. Depois que a invasão liderada pela coalizão do norte e pelos americanos expulsou o Talibã, em 2001, ele foi restaurado como governador de Herat. Mas foi removido por Karzai em 2004, causando violentas manifestações entre seus apoiadores.
Hoje ele continua exercendo uma forte influência nas regiões do oeste, e briga regularmente com o atual governador, Daud Shah Saba, dizem autoridades ocidentais.
Khan convocou uma reunião de milhares nos arredores da cidade de Herat, em 1º de novembro, num distrito chamado Cidade dos Mártires, estabelecido por ele na década de 90 para oferecer moradia gratuita e terras às famílias de mujahidin mortos. Um vídeo da reunião, com a presença de muitas figuras influentes da região, mostra Khan criticando a coalizão internacional por desarmar os combatentes e não conseguir tornar o Afeganistão seguro.
- Eles recolheram nossos canhões e tanques, e os transformaram num monte de lixo - disse ele à multidão. - Em troca, trouxeram mulheres holandesas, alemãs, americanas e francesas, trouxeram soldados brancos da Europa e soldados negros da África na esperança de deixar o Afeganistão seguro, mas fracassaram.
Após as críticas públicas de que ele estaria criando uma oposição armada contra o governo, Khan insistiu, numa coletiva de imprensa em Cabul em novembro, que não estava rearmando seus seguidores ou se colocando contra as forças de segurança, mas queria que os mujahidin trabalhassem com o exército e a polícia como um tipo de força de reserva - ficando atentos, por exemplo, a sinais de infiltração talibã.
- Isso não significa que estamos nos rebelando contra o governo - declarou ele. - Estamos há 30 anos lutando para construir esse governo, e não vamos permitir que ele seja derrubado.
Mesmo assim, um papel auxiliar como esse é exatamente o que estava previsto para a Polícia Local Afegã, organizada e treinada pelas forças de Operações Especiais dos Estados Unidos nos últimos anos.
Em Herat, Mohammed Farooq Hussaini, um dos mulás mais importantes da região, disse que as pessoas estão buscando proteção com seus líderes tradicionais - e também possuem armas, caso precisem lutar.
Segundo ele, sua própria família tem um histórico de crescente influência talibã: seu genro, um farmacêutico, juntou-se recentemente à insurgência. - Em Herat e outras províncias há duas ou três armas em cada casa, e até mesmo as mulheres estão prontas para combater os talibãs e outros terroristas - garantiu ele.
Um ex-combatente mujahidin, Saeed Ahmad Hussaini, membro do conselho provincial de Herat, disse que, se os Estados Unidos ainda não reconheceram seu fracasso no Afeganistão, o povo afegão já o fez por eles.
- Nós resgatamos esta nação duas vezes das mãos de invasores e opressores, e vamos resgatá-la novamente se for preciso - afirmou ele. - As pessoas não toleram os espancamentos e açoitamentos do Talibã.
The New York Times
Postura de chefe militar afegão preocupa autoridades
Governo do Afeganistão teme que a remobilização das forças do comandante Ismail Khan possa motivar uma guerra civil no país
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