É impossível contar a trajetória de Franz Anton Beckenbauer sem mencionar "Copa do Mundo". Espectador em 1954, ele viu a Alemanha derrotar a Hungria de Puskas na Suíça e prometeu aos pais que, um dia, também venceria a competição.
Vinte anos depois, conquistou o mundo em casa ante um aclamado carrossel holandês. Em 1990, repetiu a dose como técnico, diante da Argentina comandada por Maradona. E, 16 anos mais tarde, em 2006, presidiu o Comitê Organizador da mais rentável e organizada Copa da história - lucro de R$ 401 milhões.
Aos 67 anos, o Kaiser, título que ganhou dos compatriotas e que significa imperador, é presidente honorário do Bayern de Munique e comentarista do jornal Bild. Presença certa no Brasil no ano que vem, está otimista em relação à Copa de 2014. E, apesar da descrença nacional, aponta a Seleção Brasileira como favorita ao título:
- O time alemão ainda é jovem, mas agora tem a experiência. De qualquer forma, o grande favorito é o Brasil.
Por e-mail, Beckenbauer respondeu a quatro perguntas enviadas por Zero Hora. Havia uma quinta questão, sobre os esforços da Fifa para combater a corrupção no futebol, mas o Kaiser preferiu abster-se. Provavelmente, devido à desavença com Joseph Blatter, que no ano passado sugeriu que a Copa da Alemanha havia sido "comprada".
Zero Hora - África do Sul, sede da Copa 2010, e Grécia, da Olimpíada 2004, declararam ter sofrido prejuízo com os eventos. O que levou a Alemanha a lucrar com a Copa do Mundo de 2006?
Franz Beckenbauer - A Copa do Mundo foi uma dádiva. Por meio dela, a infraestrutura cresceu, novos estádios foram erguidos e outros foram modernizados. Hoje, a Copa ainda é chamada de "o mítico verão de 2006", porque tivemos um maravilhoso clima de verão, mas, antes de mais nada, porque a Copa do Mundo foi como um grande festival internacional pacífico. Na minha opinião, essa imagem benéfica é muito mais valiosa do que o dinheiro. E é claro que ocorrerá o mesmo no Brasil.
ZH - O senhor acredita que o Brasil tem qualidade (força e competência) suficiente para colocar em prática uma Copa do Mundo tão boa como foi a da Alemanha?
Beckenbauer - Estou certo de que o Brasil será um grande anfitrião. Será uma festa ainda mais emocionante do que foi para nós, simplesmente porque os brasileiros são mais entusiastas. Recentemente, estive no Rio, e em todo lugar dava para sentir a paixão.
ZH - O Brasil não é favorito. Desde 2006, a Alemanha formou bons times em sequência, mas não venceu as mais importantes competições que disputou. Na sua opinião, esta geração é capaz de finalmente conquistar a Copa depois de 24 anos?
Beckenbauer - Durante a maior parte dos campeonatos, a seleção alemã esteve muito próxima (de vencer), mas na margem final ela tem sempre se complicado. Provavelmente, também, porque o time era muito jovem. E a equipe ainda é jovem, mas agora os jogadores têm a experiência necessária para se tornar campeões do mundo. De qualquer forma, o grande favorito é o Brasil.
ZH - Em 1958 e em 1962, Zagallo venceu a Copa do Mundo como jogador. Em 1970, como treinador. Ele é o único, tal qual o senhor, que fez isso. Qual é o gosto de vencer a Copa do Mundo como jogador e também como técnico? E qual das conquistas é a mais memorável?
Beckenbauer - Para um jogador, o máximo absoluto é se tornar campeão do mundo. É também assim para um treinador. Como jogador, você é responsável pela sua posição em campo. Como técnico, você é responsável por toda a organização da equipe. Essa é a diferença. Ter êxito nas duas funções é falar do mais alto ponto, o que é conferido a poucas pessoas, no caso, apenas duas: Zagallo e eu.
Para Zagallo, um craque de futebol elegante e eficiente
Se Franz Beckenbauer tem duas Copas do Mundo - uma como técnico e outra como jogador -, Mário Jorge Lobo Zagallo, 81 anos, tem quatro. Bicampeão em campo, em 1958 e 1962, consagrou-se como tetra em 1994, como auxiliar-técnico. Antes, em 1970, havia conquistado o tri, no México, como treinador. Juntos, eles ainda somam três vices: Franz, em 1966, como jogador, e em 1986, como técnico; Zagallo, também como técnico, em 1998.
Prestes a sair de casa, na Barra da Tijuca, no Rio, para um compromisso religioso, Zagallo atende à chamada de ZH de maneira solícita. Não poupa elogios ao colega Beckenbauer, tampouco deixa de relembrar os próprios feitos.
- É uma emoção mesmo. Uma situação quase única. Ele foi muito importante para a seleção da Alemanha e, como falou, apenas nós dois temos essa conquista (como jogador e treinador): eu, com um tri, ele, com um bi - reitera. - Ele era um jogador excepcional, que atuou como líbero, que saía jogando lá de trás - recorda.
Da Copa de 1974, vencida pela Alemanha, Zagallo, então comandante do Brasil, saiu em quarto graças à derrota para a Holanda de Cruyff, na segunda fase - e depois, para a Polônia de Lato na disputa do terceiro lugar. Lembra-se com lucidez dos finalistas. A seleção alemã, define com objetividade:
- Era um time que sabia o que fazer dentro de campo.
Sobre Beckenbauer, não hesita.
- Um craque, não tenha dúvidas, de futebol elegante e eficiente. Ele era um falso líbero porque saía das quatro linhas e penetrava pelo meio de campo, na intermediária adversária, e ia até lá (o ataque). Um jogador fantástico. Temos que parabenizá-lo sempre - diz.
Quando o assunto é Seleção Brasileira, o tom soa menos entusiasmado:
- O Brasil vai ter a oportunidade de ganhar em casa. Não pode perder. Se está atrasado ou não, como vai ser feita a tática, pouco importa. Tem que entrar em campo com aquele pensamento de que o Brasil vai ganhar. Jogo a jogo, tem que ganhar esta Copa do Mundo - conclui.