Antes da tragédia na Kiss, o uso de espuma de colchão para evitar o eco do som era generalizado nas boates e nos bares com música de Santa Maria. Durante o incêndio na boate, os gases tóxicos causados pela queima da espuma perfilam-se entre os motivos da morte de 241 pessoas, a maioria jovens universitários.
Na cidade existem 56 casas, entre bares, boates e clubes que têm música ao vivo. E a maioria usava a espuma, que originalmente é projetada para colchões. Ela virou moda na cidade há uma década, segundo relato feito a Zero Hora por proprietários de bares e boates, que falaram com a condição de que seus nomes não fossem mencionados.
- No início, a colocação deste tipo de espuma era um exigência dos DJs e das bandas musicais. Eles a exigiam porque ela impede o eco do som, e torna mais nítidas as notas de graves e agudos das músicas - relatou um dos mais antigos donos de boates da cidade.
Com o tempo, os proprietários das casas noturnas aumentaram a quantidade de espuma usada por acreditarem que ela servia, também, para evitar que o som incomodasse os vizinhos.
Tanto que, em 2011, acossados pelos moradores que reclamavam do barulho, um dos sócios da Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko, comprou cinco bobinas de espuma (cada um com 2m de comprimento por 5m de largura) e as usou para forrar as paredes da boate, como consta no inquérito policial que apura o caso.
A tentativa fracassou porque a espuma é inadequada para ser usada em isolamento do som, que é feito com outro tipo de material. Ela foi retirada das paredes durante a execução das obras do Projeto de Isolamento Acústico. As obras do projeto terminaram em março de 2012, sem a presença da espuma.
Em julho do ano passado, atendendo a um pedido de um dos seus DJ e dos músicos que tocavam na Kiss, Kiko comprou outras três bobinas da espuma e forrou as paredes e o teto ao redor do palco pra evitar o eco do som. ZH ligou para o advogado de Kiko, Jader Marques, que não retornou as ligações.
O episódio da Kiss tornou a espuma uma espécie de símbolo da morte na cidade. E a primeira coisa que os bares e boates que a usavam para evitar o eco do som fizeram após a tragédia foi arrancá-las das paredes e jogar no lixo.
Tanto que, dias depois da espuma ser apontada como a principal causadora da morte dos jovens, os catadores Felipe Dias, 24 anos, e Luiz Fernando Barros da Silva, 25, seguiam a sua rotina de vasculhar os contêineres de lixo e encontraram uma grande quantidade da espuma abarrotando os recipientes.
- Fiquei surpreso pela quantidade de espuma nos contêineres - comentou Dias.
Os dois catadores acreditam que tenham recolhido uns 50 sacos - similares aos usados para armazenar cereais - da espuma no lixo. Eles a venderam para as recicladoras da cidade. Um dono de boate disse o seguinte:
- Mesmo aqueles que usavam a espuma certa, que é o meu caso, precisaram retirar o material porque ela se tornou um símbolo da morte. Imagine a cena: o cliente olha ao seu redor e vê a espuma, ele simplesmente vai embora. Partimos do princípio que ela (espuma) está ali porque faz parte do projeto.
Mesmo sendo usada em larga escala nas casas noturnas de Santa Maria, a espuma não foi detectada pelas autoridades. ZH consultou o comandante do 4ª Comando Regional de Bombeiros, tenente coronel Moisés da Silva Fuchs. Ele disse que durante as vistorias, os bombeiros se restringem a olhar os itens relacionados com incêndio, como saídas, hidrantes e outros coisas do gênero.
- Não temos como saber que a espuma presente é perigosa ou não. Partimos do princípio que ela está ali porque faz parte do projeto - argumentou Fuchs.
Na mesma linha de raciocínio, está a fiscalização municipal, cuja função é verificar se os alvarás estão colocados no lugar certo e se estão em dia.
- Não faz parte da função deles ficar atentos para este tipo de coisa, até porque não estão treinados para reconhecer materias usados - afirmou Anny Desconzi, procuradora-geral da prefeitura de Santa Maria.
A presença da espuma também não foi notada pela fiscalização do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul (Crea-RS). Rogério Oliveira, supervisor da fiscalização do Crea-RS, disse que este tipo de material só é observado quando alguém faz denúncia.
- Depois da Kiss, a primeira coisa que as pessoas comuns e os fiscais vão olhar é a presença da espuma - apostou Oliveira.
VÍDEO: a homenagem aos filhos de Santa Maria
Clique na imagem e confira o perfil das outras 241 vítimas:
Como aconteceu
O incêndio na boate Kiss, no centro de Santa Maria, começou entre 2h e 3h da madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, quando a banda Gurizada Fandangueira, uma das atrações da noite, teria usado efeitos pirotécnicos durante a apresentação. O fogo teria iniciado na espuma do isolamento acústico, no teto da casa noturna.
Sem conseguir sair do estabelecimento, pelo menos 241 pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridos.
A tragédia, que teve repercussão internacional, é considerada a maior da história do Rio Grande do Sul e o maior número de mortos nos últimos 50 anos no Brasil.
Em gráfico, entenda os eventos que originaram o fogo:
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