Já debilitado pela tuberculose, o dramaturgo e escritor russo Anton Tchékhov (1860 - 1904) trocou, em 1899, sua residência em Melikhovo, a 80 quilômetros ao sul de Moscou, por um retiro em Yalta, na Crimeia, onde passou seus últimos anos de vida.
A distância geográfica da mulher, a atriz Olga Knipper (1869 - 1959) - com quem havia casado em 1901 e que seguiu carreira no Teatro de Arte de Moscou, participando das primeiras montagens de peças de Tchékhov - resultou em uma intensa troca de mais de 400 cartas em seis anos.
Essa correspondência íntima, que revela os bastidores da aurora do teatro moderno, é o material do espetáculo Tomo suas Mãos nas Minhas, com sessões nesta sexta e sábado (7 e 8/9) no Teatro Bruno Kiefer, na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre. Escrita pela dramaturga e pesquisadora americana Carol Rocamora, tradutora de Tchékhov para o inglês, a peça chega a Porto Alegre em uma elogiada encenação brasileira que estreou em 2010, no Rio - na ocasião, celebrando os 150 anos de nascimento do autor russo e os 25 anos de carreira do ator Roberto Bomtempo, que o interpreta. Cabe a Miriam Freeland o papel de Olga.
A produção dirigida por Leila Hipólito teve como referência a versão estreada por Peter Brook em 2003 no Théâtre des Bouffes du Nord, em Paris (a estreia mundial do texto havia sido dois anos antes, em uma montagem londrina). Estruturada em dois planos, a peça intercala momentos em que os atores se dirigem à plateia como contadores da história de Tchékhov e Olga e cenas em que de fato interpretam estes personagens. Foi opção da montagem carioca ambientar a ação em uma cenografia (assinada por Fernando Mello da Costa) que remete ao backstage de um teatro.
- Quis chegar na essência da história de amor entre os dois e do amor deles pelo teatro - afirma Leila. - Era véspera da Revolução Russa, um momento efervescente, de questionamento dos modelos sociais e políticos vigentes e de insatisfação do povo. E Tchékhov era apaixonado pelo povo russo.
Estão no espetáculo pequenos trechos de três das quatro principais peças do autor russo: Tio Vânia, As Três Irmãs e O Jardim das Cerejeiras - as duas últimas concluídas no período de Yalta. A Gaivota, que completa o conjunto da grande dramaturgia de Tchékhov, é mencionada pelos personagens. Humanizado, o casal é retratado em suas inseguranças, hesitações e frustrações, como se fossem, de certa forma, personagens da dramaturgia ou da prosa de Tchékhov (o conto A Dama do Cachorrinho também é mencionado).
Foi um caminho tortuoso: antes de se tornar uma grande atriz no Teatro de Arte de Moscou, Olga foi dispensada pela escola de drama do Teatro Maly. A dramaturgia inovadora de Tchékhov - que substituía os grandes acontecimentos por recortes do cotidiano de vidas comuns - enfrentou resistência. A estreia de A Gaivota, em 1896, em São Petersburgo, foi um fracasso. Foi preciso que surgisse a parceria entre os mestres Stanislavsky e Nemirovich-Danchenko, criadores do Teatro de Arte de Moscou, em 1898, para que obtivesse sucesso.
- Era um dependência mútua. Tchékhov precisava deles porque elaboraram uma linguagem para encenar suas peças, enquanto o Teatro de Arte de Moscou precisava de seus textos para desenvolver o trabalho de pesquisa - conclui Leila.
Cartas sentimentais
Correspondência entre Tchékhov e Olga Knipper é tema de espetáculo
Com direção de Leila Hipólito, "Tomo suas Mãos nas Minhas" terá sessões sexta e sábado
Fábio Prikladnicki
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