Embora o Brasil seja potência mundial no handebol de praia, e esteja em todos os pódios de competições internacionais desde 2006, a modalidade está longe de viver um cenário tranquilo no país. O próprio nome, handebol de praia, só foi oficializado no Brasil em agosto deste ano. Até então, era chamado também de handebol de areia ou, na versão em inglês, beach handball. Enquanto é aguardada a resposta sobre a inclusão do esporte nos Jogos Olímpicos, com estreia em Paris em 2024, decisão que deve ser anunciada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) ainda na primeira quinzena de dezembro, a Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) passa por um período de turbulência.
O presidente do órgão, Manoel Oliveira, que ocupava o cargo havia 31 anos, foi afastado após operação que investiga mau uso do dinheiro público na CBHb. Em seu lugar, assumiu o primeiro-vice presidente, Ricardo Souza, o Ricardinho, que foi punido pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) com dois anos de suspensão do movimento olímpico por uma denúncia de assédio sexual e moral a uma funcionária da confederação durante o Pan-Americano de Lima-2019. Depois de recorrer à Justiça, ele segue atuando à frente da CBHb.
No dia 6 de novembro, houve uma assembleia extraordinária com o conselho de administração da confederação, quando foi aprovada a antecipação das eleições da entidade. Mas não ocorrerá mudança de datas porque a quantidade de votos a favor não atingiu o mínimo necessário. Assim, Ricardinho se mantém à frente da confederação pelo menos até fevereiro de 2021, quando ocorre o pleito para escolher o novo gestor.
- Estamos com uma situação bem complicada, nos resta seguir lutando para que tudo possa se resolver o quanto antes. No momento, o maior prejuízo está sendo a renúncia de praticamente toda comissão das seleções. Vejo como uma interrupção de um trabalho de anos e com tantos resultados positivos, inúmeros títulos mundiais e planejamentos. A modalidade ainda pode sofrer mais prejuízos se a situação não melhorar - comenta a jogadora da Seleção Brasileira Patricia Scheppa, duas vezes eleita a melhor do mundo.
No dia 15 de outubro, integrantes das comissões técnicas das seleções renunciaram aos seus cargos em carta aberta e o COB suspendeu diálogo com a CBHb, por não concordarem com a permanência de Ricardinho no comando.
- A confederação tem problemas há muitos anos, só que gente considerou a denúncia contra o atual presidente por assédio moral e sexual algo muito além do tolerável. Decidimos que não gostaríamos de trabalhar em uma confederação que tivesse como líder uma pessoa assim. O presidente anterior foi afastado em uma questão que não está clara ainda, não cabe posicionamento até que seja algo definitivamente comprovado. Mas esse já foi julgado por uma entidade competente para isso - argumenta o treinador Marcio Magliano, que atuava havia 10 anos na seleção feminina, sendo desde 2016 como técnico principal.
O diretor de comunicação da CBHb, Rodrigo Ferreira, diz que a entidade continua apoiando o esporte e que o handebol de praia é uma de suas prioridades. Sobre a situação de Ricardinho, afirma que o atual presidente não concorda com a punição e está fazendo sua defesa nos processos.
- A troca de comissão já estava prevista, essa saída não afeta o trabalho técnico com as seleções. A composição da nova comissão está sendo definida e deve ser anunciada em breve.
Por enquanto, os jogos internacionais estão suspensos por causa da pandemia, a última competição de praia foi em outubro de 2019, no World Beach Games, no Catar. Havia um acompanhamento sendo feito de forma remota com os atletas, trabalho que foi suspenso com a renúncia dos integrantes da comissão técnica. Atualmente, são cerca de 30 atletas no feminino e 40 no masculino nas seleções.
A chance de que a modalidade se torne um esporte olímpico motiva a esperança de que esse quadro de incertezas se reverta. A expectativa por um resultado positivo é alta, principalmente depois da participação da modalidade nos Jogos Olímpicos da Juventude, na Argentina, em 2018, em que a final reuniu público de cerca de 5 mil pessoas.
- Nós fazemos o melhor handebol de praia do mundo, mas ele é todo baseado em amadorismo coletivo. De uma maneira geral, os times são formados por pessoas que se juntam para treinar, pagam suas próprias passagens para viajar e ainda assim a gente consegue desenvolver um excelente trabalho com a seleção e nos clubes. O que a gente faz com o que a gente tem é realmente extraordinário. A gente construiu ao longo dos anos uma cultura de vencedor e essa mentalidade de campeão contribuiu muito para os nossos resultados -, comenta o treinador Magliano.
Oportunidade para profissionalização
Dentro do Brasil, a inserção da modalidade no programa olímpico abriria oportunidades para a profissionalização do esporte, conquistando maior visibilidade e angariando mais investimentos e a destinação de recursos federais, assegurados pela Lei Agnelo/Piva, que iriam diretamente para o handebol de praia, além de oferecer benefícios como a concessão de bolsa-atleta aos jogadores.
Fora do país, uma gestão organizada será essencial para seguir enfrentando seleções como as de Alemanha, França e Dinamarca de igual para igual.
- O que o handebol de praia sofre é uma realidade do esporte amador de uma forma geral, com a inexistência de uma política esportiva sólida, que apresente benefícios para quem investe, e essa troca é desigual na forma como o produto esporte é tratado no Brasil. Mas acredito que a gente caminha para uma mudança, para uma reestruturação da confederação e do handebol - avalia o ex-jogador Djhandro Ricardo, que soma 14 anos de Seleção Brasileira, como atleta e como técnico do time juvenil.
Circuito brasileiro
O circuito brasileiro ocorre há cerca de 12 anos, com custos pagos pelos clubes, bancados, em sua maioria, pelos próprios atletas. A Confederação apoia na parte da premiação, com medalhas e troféus, na fase final da competição, que reúne cerca de 30 times masculinos e 25, femininos. Há circuitos estaduais também, mas nem todos os Estados são representados no campeonato nacional. Todos os atletas são amadores, embora alguns contem com apoio de prefeituras, por exemplo, mas a maioria depende de recursos próprios para participar das competições.
Ensino é o caminho
Marcio Magliano é um dos profissionais que percorre o país (de forma online também) com cursos destinados a treinadores para ensinar e aprimorar as técnicas de handebol de praia. Se engajar em redes para transmissão de conhecimento tem sido uma ferramenta bastante utilizada para que a modalidade se popularize. Caso o esporte seja incluído nas Olimpíadas, preparar categorias de base para formar atletas profissionais no futuro também se torna imprescindível.
- É o único jeito de a gente conseguir trabalhar. A gente precisa ter mil jogando na base para ter 10 na seleção. A garotada quer jogar, mas se for um trabalho desenvolvido por um professor isolado, se você não tem campeonato, isso se torna desmotivador para as crianças - destaca Magliano.
A necessidade de um projeto olímpico com preparação e investimentos em categoria de base é unanimidade entre os atletas, professores e treinadores ouvidos.
- Quando você lida com a criança está criando uma cultura que vai ser útil não só no processo de informação integral, mas também contribui para o desenvolvimento de uma modalidade esportiva que está em crescente ascensão. A criança vai contribuir para que esse diálogo seja perpetuado, seja na prática da modalidade, seja na forma de espectador. O problema é que hoje a gente tem muito mais espectadores do que praticantes de esporte. Essa é a grande falha da nossa cultura - avalia Djhandro.