Longe dos octógonos de luxo e dos combates profissionais, a falta de regras e fiscalização nos campeonatos amadores de muay thai e MMA (Mixed Martial Arts) dá sentido ao termo "vale tudo". Por mais de três meses, ZH mergulhou nos subterrâneos das lutas e foi aceita em campeonatos sem comprovar qualificação. Nos torneios, viu atletas despreparados em lutas de desnível técnico, com equipamentos precários e inclusive ambulâncias proibidas. Nos bastidores, comprovou que a explosão de popularidade das artes marciais e a multiplicação de academias formou um ambiente perigoso para fãs do esporte.
Um dos mais antigos e respeitados praticantes de artes marciais no Brasil, faixa preta de jiu-jitsu e muay thai e comentarista do Canal Combate, Carlão Barreto revela preocupação ao falar sobre o mundo amador das lutas.
Em entrevista a ZH, ele destacou a necessidade de os praticantes buscarem academias e professores sérios, que resgatem os ensinamentos filosóficos e éticos. Carlão assegura que as artes marciais são um caminho seguro para a formação de jovens, com ênfase no caráter, na inclusão social e no companheirismo.
ZH - O senhor observa com preocupação o mundo amador do MMA e do muay thai?
Carlão Barreto - A coisa mais importante é que as artes marciais primam pela integridade física e mental dos participantes. Esse é o ponto principal, envolvendo a questão da disciplina, da autoconfiança, do respeito ao próximo. Esses são pilares importantíssimos da prática da arte marcial. A primeira coisa que um pai deve fazer na hora de inscrever um filho em uma academia é saber se o professor realmente é graduado, se ele está diplomado por uma federação ou confederação, qual a vida pregressa desse professor, o que ele já fez, qual a visão dele como educador. Muitas vezes os pais não tem tempo, a vida é corrida, de educar os seus filhos, e o professor acaba sendo uma ferramenta de auxílio aos pais. Então o professor tem de ter muito conhecimento, saber da responsabilidade da sua função. Na hora de os filhos se inscreverem em competições, tem de saber se é chancelada por algum órgão ou comissão atlética, alguém que possa estar mostrando as condições de saúde, padrões de segurança, regras, exames médicos, se tem alvará, para evitar essas competições de fundo de quintal, que só querem ganhar dinheiro e não se preocupam com a integridade física do competidor. É muito importante que as pessoas responsáveis entendam que a arte marcial de competição é uma ferramenta de inclusão social, de trabalho em equipe. Tem de usar isso com muito cuidado para não cometer atos errôneos que acabam respingando em toda a comunidade da luta que faz um trabalho sério. Infelizmente ainda acontecem esses eventos de fundo de quintal, competições sem padrão de regras e sem protocolos médicos. Muitas pessoas montam federações e confederações em cima de leis brasileiras que facilitam isso e, na hora de trabalhar, só querem colocar dinheiro no bolso. Não querem fazer nada pelo esporte. Uma confederação ou federação tem como missão número um fomentar o esporte, crescendo de forma segura. Nesses campeonatos, têm de ter médico, tem de ter ambulância, tem de ter exames. São exames caros? São. Mas são exames que vão preservar a integridade física do atleta. Certa, numa competição amadora, descobrimos um atleta com problema na cabeça e o proibimos de lutar. Até hoje ele é agradecido. Os atletas são as estrelas do show, eles têm de ser muito bem cuidados.
ZH - A falta de uma legislação específica para as artes marciais contribui para a multiplicação de entidades e frágil fiscalização em torneios?
Carlão - Sem dúvida, as brechas da legislação desportiva brasileira faz com que pessoas sem boas intenções e sem estrutura entrem no mercado, fazendo coisas erradas e denegrindo a imagem de todos nós. Eu já estou conversando com deputados e senadores que gostam do esporte, estamos pensando maneiras de mudar isso e colocar alguma coisa na Lei Pelé que proíba pessoas que não tenham passado no esporte de montar federações. É um processo lento, é um processo burocrático e político, mas o que eu peço as pessoas envolvidas com o esporte é que elas tomem cuidado. Descubram qual a proposta das pessoas. Temos de correr das organizações que só querem ganhar dinheiro. Se não tomarmos cuidado, vamos abrir brecha para mal intencionados virem e acabarem com o nosso esporte.
ZH - As academias hoje estão privilegiando apenas a formação do lutador e deixando de lado a parte filosófica das artes marciais?
Carlão - O esporte alto rendimento é o segundo plano. Você tem de formar caráter, ter a academia como ferramenta de inclusão social. A arte marcial, em primeiro lugar, é mente sadia e corpo sadio, ter equilíbrio físico e mental. Ter autoestima, defesa pessoal. Isso é o mais importante. Formando essas pessoas, depois você começa a pensar na competição, isso quando as pessoas quiserem migrar para esse lado. Ninguém nasceu para ser competidos, nem todos nasceram para ser campeões. O mais importante na arte marcial é formar caráter.
ZH - Deixe uma mensagem aos jovens atletas e aos seus pais. É possível fazer artes marciais dentro de padrões sadios?
Carlão - Sem dúvida. Procurem academias sérias, professores com mentalidade de educador. Não adiante ser bom de lutar, tem de saber educar e ser íntegro. A arte marcial é uma excelente ferramenta de inclusão social, de autoestima, ajuda a ter uma vida mais regrada. Sempre é bom lembrar que quem briga na rua não é lutador. Você pode ser um grande competidor, é lógico. O alto rendimento é importante. Mas antes de ser um grande competidor, seja um grande homem.
Caju Freitas, blog Mundo das Lutas: o verdadeiro espírito do MMA
O UFC tem alavancado o crescimento, não só do MMA, mas também de outras tantas artes marciais ao redor do planeta, tais como: jiu-jitsu, boxe, caratê, judô, muay thai, dentre outras. Neste sentido, vê-se, claramente, o tremendo benefício que o esporte leva aos seus praticantes, pois podem levar a luta como a sua atividade de sustento ou apenas um meio de aliviar o estresse diário. Ainda, inúmeros projetos sociais têm tirado crianças do perigoso caminho das drogas e da violência, por meio de um forte incentivo da prática esportiva (basicamente lutas) em nosso país. O verdadeiro propósito das artes marciais indica disciplina, respeito e honestidade, pilares essenciais a um cidadão de bem. Sendo assim, seguindo a regra do UFC e das comissões norte-americanas, os torneios nacionais deverão evoluir, através de uma legislação que vise a segurança e a manutenção da saúde de seus competidores, com a consequente exclusão das competições que não seguirem tais princípios.