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Existe uma Porto Alegre resistente aos confortos do mundo digital. Trata-se de um lugar, ou melhor, de lugares que parecem perdidos no tempo, se comparado ao que ocorre ao seu redor – onde a vida segue o ritmo frenético da contemporaneidade. Conheça locais e personagens de uma cidade em que o tempo parou

Ebanez, dos perfumes às máquinas de escrever

As placas à frente da loja despertam a curiosidade. Anunciam a compra e a venda de máquinas de escrever de marcas como Olivetti, Facit, Remington, Dismac, Sharp e IBM. Lá dentro, Ebanez Flores, 83 anos, conserta esses equipamentos. Algo que ele começou a fazer, profissionalmente, em 1972.

– Eu era vendedor de perfumaria. O cunhado do meu supervisor tinha uma firma de conserto de máquinas de escritório na Rua Caldas Júnior. Naquela época, íamos no fim da tarde para essa firma tentar ligar para nossa matriz em São Paulo, porque lá havia telefone. Eu via as máquinas sendo consertadas e pensei que era um negócio bom – relata, dizendo que pediu demissão do ramo da perfumaria para se dedicar à atividade.

Sua oficina, chamada E. Flores, funciona desde 1985 na Rua Espírito Santo, 394, quase esquina com a Washington Luiz, no Centro Histórico. O proprietário conta, há 40 anos, com a colaboração no dia a dia do auxiliar Cipriano Netto Vargas, 65, encarregado de montar e desmontar os aparelhos. Na loja, alguns dos objetos expostos são máquinas de calcular e até uma caixa registradora.

Quem deseja só limpar a máquina de datilografar paga, em média, R$ 250. Serviço de restauração com pintura nova e cromagem eleva os custos para R$ 1,1 mil.

Ebanez já foi parceiro de jornais como a própria Zero Hora, além de consertar as máquinas do escritório da Nestlé, da Secretaria da Agricultura, de 19 agências da Caixa Econômica Federal, do antigo Unibanco e do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Também cuidava da máquina pessoal do escritor Moacyr Scliar (1937-2011).

– Eu possuía uma oficina na ZH, onde cheguei a consertar 30 máquinas por dia – relembra.

Atualmente, cerca de 20 máquinas são reformadas por mês na oficina, que tem aproximadamente 60 metros quadrados. Metade delas acaba sendo reutilizada pelos donos, enquanto a outra parcela vira peça de decoração em suas casas ou escritórios, diz Ebanez. O público vai de pessoas jovens até clientes de 90 anos.

Questionado se vale a pena seguir nesse meio, o profissional responde brevemente:

– Compensa, sim.

Mas as lembranças logo voltam ao centro da conversa.

– Certa vez um senhor trouxe uma máquina de escrever para consertar e estava junto da filha de 12 anos. Ele disse que estragou o computador e era com a máquina que a filha faria um trabalho escolar.

Até aí tudo bem. Porém, a máquina também estragou após a menina datilografar o trabalho de aula. Então, aconteceu algo inesperado:

– A menina me olhou e perguntou onde imprimiria o texto datilografado na máquina.

Natural de São Pedro do Sul, na Região Central, Ebanez é casado com Vanilda dos Santos Flores, 84, com quem teve três filhos. Nenhum quis seguir os passos do pai. Emparedado entre 600 máquinas acomodadas sobre mesas e prateleiras, não se incomoda com isso. Também já escutou de outras pessoas que precisava se informatizar para não perder o bonde da história.

– Mas em time que está ganhando não se mexe – respondeu na ocasião.

Enquanto mostra o modelo consertado recentemente de uma máquina Remington 12, de 96 anos, ainda explica:

– Gosto de mexer com as coisas. Isso é o importante para mim.

E o conserto dessas máquinas vai acabar algum dia?

– Não. Vai sempre continuar.

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