Por Alexandre Vargas Schwarzbold
Médico, professor da UFSM, presidente da Sociedade Rio-grandense de Infectologia (SRGI)
É evidente que a pandemia afetou fortemente a educação no Brasil e no mundo. Mesmo com consistentes estratégias de mitigação durante a suspensão de aulas, impactos emocionais, físicos e cognitivos poderão ser observados no período pós-pandêmico. Em quase todos os países acometidos pelo atual surto do coronavírus, o fechamento das escolas foi uma medida tomada em conjunto com o distanciamento social para reduzir a taxa de transmissão da doença e permitir a mitigação do impacto sanitário produzido por ela.
Do mesmo modo que a suspensão de aulas foi uma medida para mitigar o impacto da epidemia, a reabertura das atividades de ensino presencial deve vir acompanhada de um planejamento e de medidas para mitigar seus efeitos deletérios. Não será uma retomada de onde paramos.
Trata-se aqui de definir o melhor momento e os critérios para a reabertura. Diversos organismos internacionais se debruçam nesse propósito, sempre orientados por considerações gerais de saúde pública, com base em uma avaliação dos benefícios e dos riscos associados. Em recente painel, Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Banco Mundial (Bird) e Organização Mundial da Saúde (OMS) sustentam que, ao se identificar quais escolas estão aptas à reabertura, seis dimensões principais devem ser observadas no planejamento: políticas públicas, financiamento, operações seguras, aprendizagem, inclusão de vulneráveis e bem-estar/proteção.
Justin Reich, educador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos, pondera que o ideal no retorno seria que as escolas se concentrassem em celebrar a resiliência e o aprendizado dos alunos durante o isolamento, atendendo as suas necessidades de saúde.
A abertura deve ser gradual, começando nas áreas de menor risco sanitário. Nesse contexto, é fundamental compreender os limites dos protocolos de biossegurança nas regiões com alta taxa de infectividade e que apresentam heterogeneidade das estruturas escolares.
Qual é a capacidade de a escola manter operações seguras para mitigar riscos, como o distanciamento social (ou seja, o tamanho da sala de aula em relação ao número de estudantes obedecendo a distância de dois metros entre eles); além do acesso à água, álcool-gel ou sabão, a instalações sanitárias e a práticas de higiene? Qual a capacidade de recursos humanos das escolas no “novo normal” para dar conta das novas práticas e como são as instalações que ela tem? Qual o nível de exposição entre a população escolar e os grupos de maior risco, como idosos e pessoas com doenças preexistentes? Como a população escolar se desloca de casa para a escola? O transporte público segue normas rigorosas de biossegurança recomendadas como um terço da lotação e janelas abertas? Quais são os fatores de risco relacionados à comunidade, considerando fatores epidemiológicos, capacidades de saúde pública e assistência à saúde, densidade populacional e adesão ao distanciamento social e às boas práticas de higiene?
Alguns países servem de comparação. Em Israel, após três dias de retomada das aulas presenciais, cem escolas tiveram de ser fechadas novamente pelos surtos de infecção por ausência de planejamento do retorno. Na França, uma semana após a volta de um terço das crianças do país, foram mapeados novos casos de coronavírus em 70 escolas reabertas. O governo decidiu, então, fechá-las como precaução.
Não há outra maneira para um retorno seguro que não seja a utilização de parâmetros de queda da taxa de transmissão no contexto local.
Não há outra maneira para um retorno seguro que não seja a utilização de parâmetros de queda da taxa de transmissão no contexto local. Critérios epidemiológicos, como queda expressiva do número médio de contágio (Rt) para níveis abaixo de 0,7 de modo persistente, número de infectados diários em torno de 10% da taxa do pico epidêmico e queda das taxas de hospitalização e de mortes a níveis controláveis pelo sistema de saúde são condições atingidas na sua maioria cerca de 45 dias após o pico da epidemia.
Não há, no Rio Grande do Sul, uma situação que corresponda a isso. Desse modo, não temos, no presente momento, nenhuma das condições epidemiológicas que possibilitem que mais de 2 milhões de estudantes e mais de 100 mil professores no Estado se reencontrem para retomar as aulas presenciais e tenham, ao mesmo tempo, a proteção e a saúde para si e suas famílias.