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Em uma sala de aula, 20 estudantes de Ensino Médio, todos guris, sentam em círculo e são provocados pelo mediador:
– Falaram para vocês o que vai rolar? Que a gente vai chorar, se abraçar?
A fala provoca um riso desconfortável no grupo. Em seguida, eles são convidados a escrever anonimamente em uma folha em branco um sentimento que têm dentro de si, que gostariam de expressar, mas não conseguem. Os papéis são dobrados, misturados e depois lidos em voz alta. Já surgem palavras como carinho, amor, afeto, medo de falhar, sensibilidade… Mas a palavra campeã ainda é “nada”. Será mesmo? Por que é tão difícil para o homem procurar algo de dentro de si para expressar? Conversa vai, conversa vem, surgem falas como:
– Por que homem não chora? Porque desde pequeno você ouve disso. Então não tem um porquê. Você só sabe que você não pode – declara um estudante.
Outro, questionado se já foi obrigado a expressar masculinidade a contragosto, fala sobre uma festa em que se sentiu coagido a beber álcool – “Se eu, que sou mulher, estou bebendo, você não vai beber?”, ele ouviu. Já o colega ao lado comenta sobre o desconforto de abordar mulheres para beijar na balada, sob o risco de ter a sua sexualidade questionada pelos amigos.
A cena faz parte do documentário Precisamos falar com os homens? (disponível abaixo), disponível na íntegra no canal do YouTube da ONU Mulheres Brasil, uma das idealizadoras do filme em parceria com o Grupo Boticário e o site Papo de Homem. Embora haja o ponto de interrogação no título, a resposta é positiva. A convicção, reforçada por uma pesquisa com 20 mil brasileiros anterior ao documentário, é de que os homens têm sido equivocadamente excluídos do debate sobre a igualdade de gênero. Pior: que eles também são vítimas de uma sociedade que trata homens e mulheres de forma desigual. E vítimas fatais, inclusive.
– Meninos são criados ganhando armas e carros. Depois nos surpreendemos com mortes por violência e acidente de trânsito – atenta Milena do Carmo, assistente do Instituto Promundo, instituição com projetos que trabalham a experiência da paternidade pelo viés da igualdade dos papéis do pai e da mãe.
A essas mortes se somam ainda as por falta de cuidado com a saúde, como os números do Novembro Azul evidenciam. O segundo câncer que mais mata homens no Brasil, por exemplo, é o de próstata, que deve afetar 60 mil novos brasileiros em 2016. Uma doença que atinge o homem nos aspectos do arquétipo masculino que mais lhe são caros: a invulnerabilidade e a virilidade.
O documento da ONU Mulheres posterior à pesquisa aponta que o machismo está amparado em dois arquétipos, o feminino como o da princesa e do masculino como o do herói. Porém, apenas o primeiro – vinculado à pureza, à beleza, ao cuidado e à fragilidade – vem sendo questionado. Se a princesa há algumas décadas já rasgou o vestido, desceu da torre e passou a disputar com o príncipe o seu lugar no mundo, o herói ainda custa a despir a armadura. Segue se sentindo intimado a provar que é forte, viril, responsável e provedor. E que tudo o que vai contra esses estereótipos coloca sua figura de homem em xeque.
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– Já abracei os meus amigos algumas vezes, mas isso só acontece quando a gente já está bêbado… Se abraçar em outros momentos o cara vai ficar pensando coisa errada de você – declarou um homem de 29 anos, de Recife, aos pesquisadores.
Outro, de 41 anos, relata o estranhamento de seus próprios pais e irmãos quando ele é “afetuoso demais” com o filho, ou quando ele dá banho na criança enquanto a esposa descansa ou se diverte.
O problema mais grave é que a objetificação e submissão da mulher entra na lista do comportamento dos homens, pela via da afirmação social em um ambiente masculino. O que dissemina em comportamentos de violência nem sempre literais, mas do compartilhamento de fotos íntimas ou de piadas sexistas, por exemplo.
Mesmo quando não se comportam dessa forma com suas parceiras, o discurso se reproduz entre homens de grupos de WhatsApp a vestiários de futebol como forma de fortalecer relações e criar uma zona de confiança longe das mulheres. Elas que agora passaram a questionar e repudiar esse comportamento em público.
Assim, o abismo entre os homens e o feminismo, um movimento de afronta ao machismo, se amplia. A pesquisa aponta, por exemplo, que 45,8% dos homens consideram o feminismo algo “necessário para defesa por direitos e oportunidades iguais”, mas que um número quase tão grande quanto, 40,4% o julgam “justo por direitos iguais, mas às vezes agressivo e radical demais”. Já entre mulheres, esses números são respectivamente 71,6% e 22,3%. Sinal de que está faltando diálogo.
– Esperar que os homens deixem o machismo sozinhos é como esperar que alguém saia de um buraco se puxando pelos cabelos – compara Benedito Medrado, pesquisador e professor de Psicologia.
Para estabelecer uma conversa entre homens e mulheres e tornar a igualdade de gênero um objetivo comum, uma das estratégias é mostrar aos homens o que eles estão perdendo.
– Os homens têm que encontrar formas de viver melhor com eles mesmos, porque estão se matando entre eles. Também estão matando e agredindo as mulheres. E estão se perdendo em coisas que são parte da vida cotidiana, que são muito importantes. Compartilhar a criação dos filhos e das filhas. Poder amar, poder sentir, poder chorar – declara a doutora Nadine Gasman, responsável pelo escritório da ONU Mulheres no Brasil.
O documento da ONU resume em uma lista 10 atitudes que os homens podem tomar para se tornarem agentes de mudança (leia no quadro ao lado). Um bom começo para a armadura do herói fazer companhia ao vestido da princesa no lugar que lhe pertence: os contos de fada que, de tão datados, já não fazem mais sentido.
Para seu namorado (marido, pai, irmão...) ler
Questione e confronte amigos que contem piadas preconceituosas (sexistas, racistas, homofóbicas, etc).
Não interrompa uma mulher enquanto ela fala e colabore para que outras pessoas demonstrem o mesmo respeito.
Nunca subestime ou desconfie da capacidade de uma mulher de expressar suas ideias ou de compreender o que está sendo dito.
Reconheça que você é machista em algum nível e fique atento a comportamentos automáticos que ajudam a perpetuar o machismo. Reflita sobre eles e tente mudar suas atitudes.
Nunca use termos agressivos para atacar ou confrontar mulheres que fogem dos estereótipos de gênero feminino seja em seu comportamento, seja em sua expressão de identidade.
Nunca exponha, publique ou compartilhe fotos e vídeos íntimos de uma mulher nas redes sociais.
Demonstre afeto a um amigo por meio de palavras ou gestos de carinho, sem precisar estar bêbado para isso.
Se conhece alguém que está sendo desrespeitoso ou violento com a parceira ou com as mulheres em geral, converse sobre isso e ajude-o a procurar auxílio. Não finja que não é com você.
Converse com amigos sobre o tema da violência contra a mulher. Ajude-os a entender que os homens praticam vários tipos de violência – não só a física – e que esse é um problema grave que precisa ser resolvido.
Nunca faça uso de força para ameaçar, coagir, intimidar, assediar ou agredir uma mulher. Aprenda a ouvir “não”.
Fonte Relatório da pesquisa Precisamos Falar com o Homem – ONU Mulheres
TENSÕES MASCULINAS
- 45% dos homens gostariam de se expressar de modo menos rígido ou agressivo, mas não sabem como.
- 43,5% dos homens gostariam de ter mais cuidado com a aparência sem se sentirem julgados por isso.
- 77% dos homens se preocupam com a aparência, mas não falam sobre isso.
- 56,% dos homens gostariam de ter uma relação mais próxima com amigos, expressando mais afeto e podendo falar sobre sentimentos e dúvidas.
- 66,5% dos homens não falam com amigos sobre medos e sentimentos.
- 54% dos homens gostariam de ter mais liberdade para explorar hobbies, talentos ou opções de carreira pouco usuais, sem serem julgados como frouxos ou pouco ambiciosos.
- 45% dos homens gostariam de não se sentir obrigatoriamente responsáveis pelo sustento financeiro da casa.
- 44% dos homens sentem pressão por serem responsáveis pelo sustento da casa, mas não falam sobre isso.
ELES DESABAFAM
É difícil, como homem, ter uma mulher que ganha bem mais do que você… Prefiro que as pessoas não saibam.
34 anos
Quando um amigo me abraça forte, fico sentindo aquela sensação estranha e vergonha de que alguém que eu conheça esteja vendo… Abraçar é bom, mas abraçar homem é meio proibido.
22 anos
Eu tinha e tenho um sentimento pela minha mãe muito forte e é um sentimento que eu queria que meus filhos tivessem por mim também.
28 anos
Esses dias discuti feio com a minha esposa e depois ela veio perguntar o que estava acontecendo comigo. Não falei nada. A verdade é que estava nervoso porque achava que ia ser demitido.
45 anos
Frases da Pesquisa Quantitativa ONU MULHERES - Precisamos falar com os homens (2016).