Falar sobre os outros geralmente é bem mais fácil do que sobre nós mesmos. O convite, para dar uma aula especial, era: contar sobre minha experiência profissional como repórter. Ai meu Deus! Que frio na barriga!
? Fica tranquila, eles querem te ouvir.
O "eles", neste caso, eram alunos de pós-graduação em jornalismo. Ou seja, colegas de profissão, já com experiência na área. Medo, misturado com um pouco de timidez e uma alta dose de autocrítica me fizeram pensar um pouco antes de aceitar a proposta. Decidi por encarar o desafio.
A sala de aula era daquelas antigas, nas quais os alunos acomodam-se em diferentes níveis, e o professor fica lá em baixo, na parte plana. Atrás de mim, uma grande tela fixada na parede.
Após as apresentações iniciais, o coordenador do curso me olhou de um jeito engraçado, deu uma piscadinha de olho e disse:
- Agora é tudo contigo. Boa aula para todos vocês.
Virou as costas e saiu.
Silêncio.
Pensei em algo inteligente pra dizer e quebrar o gelo, mas não me vinha nada à cabeça. Decidi ser eu mesma, sem incorporar o papel de professora. Aí, relaxei e a a coisa começou a fluir.
Contei um pouco sobre minha vida multitarefa, sobre os sonhos que eu tinha no tempo de estudante de jornalismo, sobre os rumos que dei à minha vida. Pedi que eles contassem, também, um pouco de suas experiências, pessoais e profissionais.
O papo rolou solto e as horas passaram rápido.
Isso foi na sexta à noite. Ainda teria todo o dia de sábado pela frente.
Preparei material teórico ? dezenas de slides ? nos quais explicava os gêneros jornalísticos e detalhava a função dos profissionais que atuam nesta área. Tudo bem ensaiadinho em casa, na semana anterior.
Oito horas da manhã. Ainda sonolentos, os alunos começaram a chegar na sala de aula. Logo a conversa engrenou, e eles queriam saber mais sobre minha experiência profissional. Deixei a teoria para depois. Fechei as janelas e comecei a projetar na tela várias reportagens que fiz ao longo da vida, e a comentar cada uma delas.
Foi aí, então, que algo aconteceu dentro de mim. Revendo momentos da minha vida como jornalista, senti uma espécie de nostalgia, de saudade de um tempo que não volta, que ficou lá atrás. Mas não era tristeza, e sim contentamento por ter vivido tantas emoções diferentes como repórter, em situações tão díspares como as coberturas da vinda do Papa ao Brasil e da despedida de Guga das quadras de tênis.
Entrei em minas de carvão, nas profundezas da terra, e passei o dia em plataformas de petróleo, em alto mar.
Acompanhei o milagre da vida, com o nascimento de um bebê prematuro que ninguém acreditava que iria sobreviver e, muitas vezes, fui obrigada a presenciar mães enterrando seus filhos, vítimas de acidentes, Aids ou drogas.
Viajei de avião, helicóptero, barco a remo, navio transatlântico, veleiro, caiaque, caminhão, trator, carroça...
Conheci países lindos e distantes. Andei por ruas esburacadas e favelas sem as mínimas condições de habitação.
Conversei com gente de tudo que é credo, cor, inclinação sexual, classe social e ideologia.
Comi em mesas de ricos e aceitei, comovida, compartilhar um café ralo em casebres onde falta tudo.
Me emocionei com verdadeiros exemplos de vida que cruzaram meu caminho. Senti medo algumas vezes, chorei em outras e dei muitas risadas, tantas que perdi a conta.
O tempo da aula passou e eu nem notei. Os alunos perguntavam detalhes das minhas aventuras e contavam, também, as suas experiências. O sábado voou. Teremos novo encontro daqui a duas semanas. Para este, juro, estou bem mais tranquila.
Voltei para casa duplamente feliz: por ter aceito o desafio da universidade e por ter a certeza de que não seria feliz em outra profissão.