
NOVA YORK – Há dois anos, Aidan Sleeper precisava encontrar um apartamento. Gerente de locação da atração "Billions", agora na quarta temporada no canal a cabo Showtime, pesquisou mais de 100 lugares na faixa de preço das dezenas de milhões de dólares, mas não conseguia encontrar o certo. "Era impossível", lembrou.
O apartamento não era para uso próprio – ele e a esposa vivem de aluguel no Brooklyn. Não, ele precisava fisgar uma residência em Manhattan para Bobby Axelrod, o fenômeno entre os investidores de "Billions" interpretado por Damian Lewis. O espaço não poderia ser nem confortável nem aconchegante. Precisava intimidar, impressionar, deslumbrar, tirar o fôlego como um soco no estômago.
"Sempre brincamos: 'bilionário, e não milionário'", contou Sleeper em uma manhã de janeiro no escritório da produção de "Billions", no Brooklyn, enquanto examinava uma pasta de fotos no desktop do computador. Clicou uns instantes sobre um triplex de 65 milhões de dólares (252 milhões de reais) que não o impressionou na visita: "Você entra lá e se pergunta: sério?" Deu de ombros e prosseguiu na busca.
Meses após o prazo inicial ter se esgotado, enquanto via uma cobertura, avistou, do terraço, outra a algumas quadras dali. Uma caixa de vidro depositada no topo de uma antiga fábrica de estamparia. Tinha sala de estar com pé-direito duplo, varanda em toda a extensão externa e vista de 270 graus para os rios Hudson e East. Era urbana, masculina, quase austera com seus pisos de concreto e linhas severas – exclamava bilionário, e não milionário. Ele alugou.
Programas como "Billions" e "Succession", este último um drama polêmico sobre uma dinastia da mídia exibido pelo canal HBO e que retorna para a segunda temporada no meio do ano, precisam oferecer uma representação visual convincente dos incrivelmente ricos, o 1 por cento dentro do 1 por cento. Jesse Armstrong, criador de "Succession", descreveu um princípio que os governa: "Vamos ser o mais fiéis possível."
A fidelidade nem sempre é lisonjeira. Diferentemente de programas que retratavam o universo dos mais ricos em outras décadas – "Dynasty", "Dallas", "Gossip Girl" –, os de hoje abordam um momento cultural em que muitos de nós nos admiramos, mas também nos incomodamos, com a riqueza extrema. Dramas com traços de comédia negra, "Succession" e "Billions" não pretendem inspirar ambições. A câmera encontra todas as olheiras, amplifica cada escritório impessoal. Mesmo aquela cobertura parece feia de alguns ângulos.
A estrutura dessas atrações implica uma crítica – às vezes mais, às vezes menos sutil –da própria riqueza. Venha para os jatos particulares, fique para a inevitável falta de humanização. Para ilustrar o estilo de vida de um bilionário, os designers de cada série pesquisaram os ricos on-line e em revistas como "Architectural Digest" e "Vogue".
Contudo, pessoas extremamente ricas nem sempre querem ter a casa fotografada e talvez não vistam alta-costura. "Quando chegam à casa do bilhão e acima disso, eles não estão mais em uma posição de ter de impressionar alguém com adornos", explicou David Levien, um dos criadores de "Billions".
Por isso, cada atração tem um grupo de consultores – alguns são bilionários e outros prestam serviços aos bilionários – que dão sugestões sobre esse mundo, como qual uniforme a equipe de empregados da casa deve usar ou que obras de arte devem fazer parte da decoração de um escritório corporativo.
Ocasionalmente, consultores voluntários intervêm. Um investidor de hedge fund mandou um e-mail aos criadores de "Billions" (que se recusaram a identificá-lo pelo nome) reclamando do insignificante avião particular de Axelrod. "Essa lata de sardinha não serviria nem para levar meu cadáver", escreveu. (Latas de sardinha como a mencionada podem custar cerca de 40 milhões de dólares, ou 153 milhões de reais.) Em algumas situações, os adornos ainda contam.
Para o piloto de "Succession", a produção queria criar um apartamento para Logan Roy, o patriarca interpretado por Brian Cox, que sugerisse poder, não ostentação de capa de revista. Kevin Thompson, o designer de produção do piloto, pegou emprestados dois andares do Conselho de Relações Exteriores e os transformou em uma cobertura duplex.
Quando mais capítulos foram encomendados, recriaram o mesmo espaço em um pequeno estúdio de som no Queens. Adentrar aquele apartamento – considerando que você não seja bilionário – é sentir-se estupefato e até mesmo um pouco mareado pelas suas proporções imprudentes. Mas os móveis, embora de extremo bom gosto, são discretos, a paleta de cores é monótona. "Você é capaz de escutar o dinheiro, mas ele não está gritando com você", comparou Thompson.
Os muitos departamentos de design precisam transmitir um estilo bilionário com um orçamento que não passa dos milhares. (OK, dezenas ou centenas de milhares, mas mesmo assim.) Em cada set, são feitos cálculos para decidir em que pagar caro e o que deve ser pedido, emprestado ou até falsificado.
No apartamento de Logan Roy, a mobília é real, assim como umas poucas antiguidades, mas as pinturas são cópias escaneadas ou imitações – nem mesmo o dinheiro da HBO consegue bancar Gauguins originais – e os tapetes não são exatamente de valor inestimável. "O público nunca vai saber", sentenciou Stephen Carter, atual designer de produção, enquanto caminhava pelo estúdio em uma tarde de fevereiro.
Deixando de lado os custos, o que sugere riqueza nessas séries é algo menos ligado aos objetos e mais a como os personagens reagem a eles. Na segunda temporada de "Billions", Bobby e Lara Axelrod embarcam cada um em seu jato particular sem muita comoção dando um rápido beijo de tchau. Os personagens não estão maravilhados, nem a câmera.
Parte da diversão da maneira como nosso público vivencia essa riqueza é sentir como ela não importa para essas pessoas.
STEPHEN CARTER
designer de produção
"Succession", em grande parte, evita cenas que sugiram beleza. Armstrong orientou a equipe: "Nunca vamos tentar persuadir ninguém ou tentar vender a alguém um elemento desse estilo de vida." A tendência dos personagens é tratar a riqueza com casualidade, ou até mesmo desdém, embarcando em um helicóptero Sikorsky como se se tratasse de um carro. "Parte da diversão da maneira como nosso público vivencia essa riqueza é sentir como ela não importa para essas pessoas", argumentou Carter.
Mas isso é divertido? Muito do que fez com que programas como "Dynasty" e "Dallas" fossem tão bem-sucedidos era o fetiche que representavam as aparências da riqueza. A refilmagem de "Dynasty" segue a tradição, prolongando a câmera nos sapatos (os sapatos!), nas joias, nas fontes.
Sallie Patrick, showrunner de "Dynasty", disse que sentia a obrigação de manter a extravagância do original. Mas, mesmo um grupo pautado no prazer, como o de "Dynasty", resiste a oferecer o que ela chama de "a pura e simples realização de um desejo". "É um pouco mais satírico, um pouco mais irônico, e comentamos quanto tudo isso é absurdo", avaliou.
Quando até mesmo "Dynasty" provoca uma crítica socioeconômica, passamos a suspeitar dos muito ricos, uma angústia de que talvez eles não sejam como o restante de nós. Essa angústia pode ter seu mérito. Os anos 1980 – a época da primeira versão de "Dynasty" – e o presente são períodos associados a um grande aumento da desigualdade social.
"Os ricos se tornaram muito diferentes da pessoa comum. Eles atraem o mesmo interesse que um animal de zoológico", ilustrou Shamus Khan, professor de sociologia da Universidade Columbia que pesquisa a influência política das elites econômicas.
Essas séries podem até mesmo promover um conforto perverso no resto de nós ao refletirem sobre como uma grande riqueza pode muitas vezes gerar sentimentos de alienação, um fenômeno estudado por Khan. "As pessoas imaginam que isso vai trazer algum significado para elas ou satisfazer alguma necessidade. No entanto, os ricos normalmente dizem se sentir mortos por dentro", explicou.
Os personagens prósperos dessas atrações geralmente escolhem o dinheiro em detrimento da família, da comunidade ou da integridade moral. O design – luxuoso, mas às vezes frio e esvaziado de beleza – reflete isso.
Por outro lado, a alienação, em escala bilionária, pode ter seu lado positivo. Em uma tarde no começo de março, Sleeper me mostrou a cobertura de Bobby Axelrod. Madeira lustrosa, metal resplandecente, o sol de inverno brilhando pelas janelas da sala de estar e Manhattan posicionada lá embaixo.
Sleeper saiu para o terraço. "Sei que nunca vou ter isso, e não é uma coisa que me incomode, mas, ao mesmo tempo, sou capaz de imaginar como seria maravilhoso viver nesse lugar, com certeza", concluiu.
Por Alexis Soloski