
No início do ano passado, o roqueiro cinquentão Chris Cornell anunciou que viria a Porto Alegre com sua apresentação acústica. Os fãs do cabeludo - que levou multidões à loucura à frente das bandas Temple of the Dog, Soundgarden e Audioslave - piraram. Mas só até o momento de comprar o ingresso: os bilhetes para entrar no Araújo Vianna (com capacidade para 3,6 mil pessoas) e ver o ídolo sentado num banquinho tocando violão naquele 17 de junho custavam entre R$ 250 e estonteantes R$ 900.
É claro que, além de causar revolta nos porto-alegrenses sensatos, os ingressos encalharam. A apresentação teve que oferecer descontos e acabou no Teatro do Bourbon Country - que abriga pouco mais de mil pessoas.
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Chris Cornell é só um exemplo de uma ficha que caiu há algum tempo nos porto-alegrenses: os ingressos de shows estão muito caros. E um levantamento feito pela Fundação Getulio Vargas (FGV) a pedido de ZH só confirma essa impressão: de 2004 a 2013, ir a um show de música na capital gaúcha ficou 264% mais caro. Quer comparar? A inflação da cidade, segundo o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), foi de 64,9%. O que significa que o preço dos ingressos cresceu acima de duas vezes e meia mais do que a inflação média da cidade.
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- Virou algo surreal - resume o produtor de eventos catarinense Fábio Nunes, que organiza excursões para shows de rock e acompanha o mercado de Porto Alegre desde 2006.
Ele destaca dois fatores nacionais e um fenômeno regional que afetam o preço dos ingressos. O primeiro é o dólar, que determina quanto o cachê de um artista internacional vai custar a bolsos brasileiros. Se o dólar sobe, quem paga é o fã. A segunda questão (essa, uma particularidade gaúcha) é a ausência de meia-entrada até pouco tempo atrás. Com a obrigatoriedade de dar desconto para um grupo de pessoas - "grupo esse que chega a 95% dos compradores no Rio de Janeiro, por exemplo", diz Nunes - os produtores utilizam-se de um expediente simples: aumentam o preço para todos. Basicamente, cobra-se o dobro pela inteira e o preço inteiro para a meia-entrada.
- Como não havia dados de pesquisa em Porto Alegre, a lei da meia-entrada foi uma grande novidade para as produtoras. Elas nivelaram para cima. Jogaram o preço do ingresso no céu para não correr risco - exemplifica Nunes.
O terceiro e mais importante ponto, de acordo com ele, é o chamado leilão entre as produtoras. É uma prática que, conta, começou a se dar com mais força a partir de 2006.
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- Aconteceram algumas coisas, mas eu vou citar os shows do U2 e dos Rolling Stones, em 2006. Quando vinham as bandas para cá, os caras tinham até medo de trazer, achavam que não ia dar. Não vou dizer que os artistas tinham que fazer um preço promocional, mas não podiam meter a faca. Depois desses dois shows, o mercado cresceu o olho. Ofereciam para a grande produtora X, diziam que era R$ 1 milhão, e os caras falavam que pagavam. Eles iam na produtora Y e diziam que a X ia pagar R$ 1 milhão, para ver se eles não ofereciam R$ 1,1 milhão. Um leilão de cachê chega a dobrar o valor de um show - explica o produtor.
Nesse período de dez anos, 2006 fica em terceiro lugar no ranking dos anos com maior inflação no preço dos ingressos: 26,8% de aumento. Só fica atrás de 2004 e do ano passado, quando o amante de música ao vivo teve que pagar, em média, 33% a mais por um ingresso do que no ano interior (a inflação de Porto Alegre, no ano passado, foi de 7,3%). O professor de Economia da Cultura na UFRGS Leandro Valiati destaca outro ponto interessante nessa conta: o público aceita pagar os preços impostos. Como os lugares têm capacidade limitada, entra quem pode.
- No show da Madonna em São Paulo, em 2008, teve gente que pagou R$ 1,5 mil por um ingresso que custava R$ 250 - diz Fábio Nunes.
Por que não tentar cobrar isso direto do consumidor?
- É uma flagrante elitização do consumo desse bem cultural. Seria uma estratégia legítima, se a quase totalidade dos shows no Brasil não fossem financiadas, em parte representativa, por recursos públicos, o que torna essa elitização um problema social grave - opina o professor.
Mas, depois de tanto aumento, será que podemos ver algo mudar? Nunes acha que estamos à beira de uma retração. Não necessariamente nos preços - que, lembre-se, ainda vão sentir o efeito da meia-entrada em Porto Alegre -, mas nos gastos das produtoras. Menos tiros incertos (como Chris Cornell) e mais barbadas: Black Sabbath e Paul McCartney que o digam.
ZH contatou as produtoras Opus e Opinião para contrapontos, mas não obteve resposta até o fechamento a matéria.