Eliane Marques
Entronizamos a branquitude beneficiária do contrato racial ao ecoarmos suas vozes de autoridade, como se ocupássemos um dos polos da inequação criador onipotente e criatura obediente. Há alguns dias passei novamente por isso ao me calar diante de frase que renasceu em mim o medo do monstro por ela divisado. Depois de participar de uma mesa em evento de literatura com outras escritoras racializadas, ouvi de um senhor jamais visto menos branco a seguinte frase: "Fiquei com medo de ti". Meio “estoporada”, como se a língua tivesse misturado comida quente com comida fria contra orientações ancestrais, redirigi a ele a pergunta: “Por quê?”. Com sua delicadeza europeia, o literato de renome, como soube mais tarde, antes de sair da cena colonial, disse que eu era muito brava, que eu poderia ser menos brava. Fiquei com raiva de mim mesma, pois, naquele momento, mantive a língua cortada. Faltou-me mais análise amefricana, talvez, para que eu pudesse lhe mandar à merda, coisa que, ao estilo Carolina Maria de Jesus, faço agora, após sessão com minhanalista Ana, segundo a qual um homem tem medo de uma mulher que tem coragem, sobretudo de falar.
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