Com o número de 42% de gaúchos apresentando sintomas de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) após a enchente ser constatado em uma pesquisa inédita do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), a coordenação do estudo destaca que o momento atual é de atuar para modificar esse cenário.
O levantamento, que ouviu 1.846 moradores do Rio Grande do Sul entre 7 junho e 19 de julho, ainda está em andamento. Porém, a coordenadora do estudo, professora do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Psiquiatria Psicodinâmica do HCPA, Simone Hauck, ressalta que os achados até o momento já podem ajudar a impedir que a doença se instale de maneira crônica.
— O TEPT tem uma janela de intervenção. O que classicamente a gente vê é que, depois de um ano, pouca gente consegue uma recuperação completa. (...) Então, existe essa janela de prevenção e ainda estamos nela — destaca.
Conforme a pesquisadora, o ideal é que o trabalho comece em até três meses após os eventos traumáticos, mas dentro de um ano ainda é possível ter o tempo de resposta – justamente o período corrente atual.
O nosso objetivo não é assustar as pessoas. Na prática, a gente vê o oposto. Muita gente está tendo esses sintomas e não sabe o que é. A importância está em alertarmos e informarmos.
SIMONE HAUCK
Professora da UFRGS e coordenadora do estudo
E, para isso, a especialista destaca que não há a necessidade de modificar toda a estrutura de atendimento em saúde mental. O foco, no estágio atual, é em estratégias de informação e psicoeducação, a fim de oportunizar suporte ágil a quem precisa.
— É muito importante que governo e instituições não tenham medo de divulgar esses dados e dizer que é comum as pessoas estarem sintomáticas, com ansiedade, com depressão. A informação é o que nesse momento já pode fazer muita diferença. Não precisamos encher os postos de saúde de psiquiatras e psicólogos, embora eu advogue que todos deveriam ter, idealmente.
Conforme a profissional, em especial nos casos de Transtorno de Estresse Pós-Traumático, a cura está em buscar retomar as atividades do dia a dia. Para a doença, a principal indicação é a psicoterapia focada no trauma, o que abrange o diálogo sobre o que ocorreu e ajuda no restabelecimento da rotina de forma gradual.
— A forma das pessoas não adoecerem definitivamente é enfrentar esses desconfortos e encarar a vida. Inclusive, porque temos essa janela para isso. O transtorno é fácil de reverter nos primeiros meses — diz, trazendo como exemplo a convivência em comunidade, igrejas, esportes.
Ecoansiedade pode se tornar mais comum
Em meio às mudanças climáticas e emoções que perpassam a relação com o meio ambiente, em 2017 a Associação Americana de Psicologia (APA, sigla em inglês) cunhou o termo ecoansiedade. De acordo com a psiquiatra do Hospital São Lucas e coordenadora de saúde global da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Ana Sfoggia, a denominação é tida como um guarda-chuva para diferentes sentimentos, como o de ecoluto, ecotrauma e solastalgia (emoção que causa sensação melancólica, nostálgica, quando o ambiente em que a pessoa vive é afetado).
— Antes de ser atingida, a pessoa pode ter a ecoansiedade e emoções climáticas. No momento em que ela é afetada, acaba tendo uma validação do medo. E aí a gente tem também os impactos diretos de quem perdeu coisas, perdeu pessoas. Então, são vários tipos de consequências que realmente interferem na saúde mental.
Para reduzir os impactos, a especialista indica a realização de ações individuais ou coletivas, como a redução do consumo e da utilização de embalagens plásticas, economia circular, ampliação da consciência e promoção de reuniões em grupo.
Pesquisa segue aberta para moradores do RS
A pesquisa da professora Simone está sendo realizada de forma online, aberta a todo o Estado, para maiores de 18 anos. Até o momento, a amostra já recebeu em torno de 5 mil respostas e é predominantemente de Porto Alegre e Canoas, mas conta com contribuições de outras cidades gaúchas, como a Região dos Vales, sul do Estado e área central do mapa.
Previsto para durar em torno de um ano, o estudo segue aberto. Além de ser maior de idade, para participar é necessário ter residido no RS durante o período da enchente. O questionário está disponível neste link.
— É importante que as pessoas sigam respondendo e participando, para vermos como vai evoluir essa questão ao longo do tempo e passar a informação com a melhor qualidade possível para população — conclui.
Dicas de como lidar com os sintomas
- Buscar retomar atividades habituais em casa, no trabalho ou nos estudos
- Não forçar as pessoas a falar, mas estar disponível a conversar sobre o que houve
- Tentar impedir que o transtorno “escalone”, observando quando um familiar ou amigo passa a se isolar
- Acompanhar nos momentos mais difíceis, como o retorno ao bairro atingido, ao lar, ao restabelecimento da rotina
- Criar uma lista com atividades das mais fáceis às mais difíceis de serem retomadas, e resolver caso a caso