O calor do verão pode ser um complicador para os diabéticos devido ao impacto que provoca no corpo, nos hábitos e no armazenamento da medicação necessária para tratar a enfermidade. Um a cada cinco pacientes com a enfermidade tem mais de 60 anos, fazendo da terceira idade a faixa etária com o maior número de doentes.
Classificada em dois tipos principais (leia mais abaixo), o diabetes é uma doença crônica em que o corpo não produz insulina ou não consegue utilizar adequadamente a insulina que produz. Insulina é um hormônio que regula a glicose (açúcar) no sangue e fornece energia para o organismo.
Temos a capacidade natural de controlar a temperatura do organismo por meio do suor e da vasodilatação periférica (vasos que se dilatam na pele para que o corpo perca calor). A pessoa com diabetes, explica o endocrinologista Fernando Valente, pode sofrer alterações que atrapalham a saída de calor e a regulação da temperatura.
— Com o passar dos anos, pode ocorrer alteração na vasodilatação e na perda de calor — afirma Valente, que destaca ainda outro problema. — Acho que uma preocupação até mais aguda é que, se o diabetes estiver alto, ou seja, açúcar alto no sangue, sai muito açúcar pela urina, e você pode perder muita água. Urinando muito e bebendo menos água, pode-se criar um problema até mais acentuado de desidratação — completa o médico, também professor do Centro Universitário FMABC, em São Paulo.
Idosos são mais vulneráveis à desidratação. Levimar Rocha Araújo, endocrinologista e presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, salienta que a reposição de líquidos não precisa ser feita somente com água. Sucos apetecem no verão, mas não estão liberados para os diabéticos, que devem preferir as opções de limão, maracujá e caju. Água de coco precisa ser consumida com moderação.
— Por que se pode tomar alguns sucos e outros não? Por causa do índice glicêmico, que é a capacidade de o alimento aumentar a glicose. Tem que cuidar com as frutas. As pessoas têm o costume de achar que o que é natural não faz mal, mas não é assim no diabetes — alerta Araújo, docente da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais.
Valente destaca ainda que o aumento da temperatura no verão atrapalha a sensibilidade do corpo à ação da insulina, deixando o organismo mais resistente aos efeitos desse hormônio:
— A pessoa que usa insulina precisa ficar muito atenta porque pode precisar de um pouco a mais. Fica mais difícil controlar o açúcar no sangue, tem que checar mais vezes a glicemia.
Confira, a seguir, outros fatores que podem variar com a alta temperatura da estação e afetar, de alguma forma, a rotina de quem convive com o diabetes.
Festas e férias
As festas de final de ano e os meses de calor e férias são um convite quase irresistível para sair da rotina alimentar e de atividade física. Ir a festas, ingerir bebida alcoólica, dormir até mais tarde e cancelar o treino na academia, comer bem mais nas reuniões com familiares e amigos, tudo isso pode impactar no nível de açúcar no sangue. Por outro lado, o período de férias pode representar, para os adeptos de um estilo de vida saudável, mais tempo e disposição para praticar exercícios ao ar livre. Converse com seu médico sobre essas alterações e o possível reflexo que isso tem em sua saúde.
Medicamentos
Quem toma insulina, medicação vulnerável a oscilações de temperatura, precisa ter cuidado no armazenamento e no transporte. O produto pode perder qualidade e até mesmo o potencial de ação com o calor.
A insulina deve ser guardada no compartimento das verduras da geladeira. Na porta, devido ao abre e fecha, fica exposta a variações de frio e calor. Também não deve ser colocada muito perto do congelador. Se você for viajar, acondicione a medicação em uma bolsa térmica, perto de um alimento gelado, se possível, e na sombra. Levimar Rocha Araújo, endocrinologista, ensina como avaliar se o produto foi alterado:
— As insulinas mais modernas parecem água. A aparência muda, começam a se formar grumos no frasco. O paciente vai perceber que a sua glicose não está cedendo.
Pés
Verão, praia e piscina são convites para pouca roupa e pés descalços. Devido ao que se chama de pé diabético — série de alterações, incluindo diminuição da sensibilidade, que podem acometer os pés de quem tem a doença —, é preciso atentar à proteção. Recomenda-se o uso de calçados, especialmente modelos com fecho atrás, para evitar queimaduras na areia e cortes que podem acabar se tornando porta para infecções. Também é preciso enxugar bem entre os dedos e manter o hábito de observar as solas dos pés em busca de machucados e alterações.
Como minimizar os efeitos do calor
- Mantenha-se bem hidratado
- Tenha uma alimentação balanceada
- Vista roupas leves e de cores claras
- Prefira locais bem ventilados
- Refrigere a insulina adequadamente
- Verifique o índice de glicose no sangue com mais frequência (caso seja diabético do tipo 1)
Diabetes e terceira idade
Faz apenas um século, ensina o endocrinologista e professor universitário Fernando Valente, que a medicina trata o diabetes. Antes, a doença matava, em uma população que tinha expectativa de vida em torno de 35 anos. Com o grande aumento da longevidade, convive-se mais tempo com a enfermidade, que teve suas implicações acompanhadas e entendidas. Atualmente, a cada cinco pessoas com diabetes, uma tem mais de 60 anos de idade.
Com o passar dos anos, o organismo fica mais vulnerável ao desenvolvimento da doença. Valente conta que, à medida em que envelhecemos, o organismo perde capacidade de produzir insulina.
— Se você fica acima do peso, acelera essa perda. Se não come fibras, salada, gasta o pâncreas mais cedo, exige mais dele — fala Valente.
O avançar da idade também impõe os prejuízos da sarcopenia, que é a perda progressiva de massa muscular.
— O músculo consome glicose, tira glicose do sangue. Quanto menos músculo tem, mais sedentária a pessoa fica. O que acontece? Fica mais difícil tirar o açúcar do sangue. Aumenta a resistência à insulina. O pâncreas teria que produzir mais insulina, mas já está produzindo menos — explica Valente.
Levimar Rocha Araújo, endocrinologista, chama a atenção para o risco de hipoglicemia (nível de açúcar no sangue muito baixo). No idoso, essa condição apresenta duas fases.
— A primeira é a fase adrenérgica, quando o organismo produz muita adrenalina, o coração dispara, dá tremores, sudorese fria. A segunda fase é a neuroglicopenia, com a queda de glicose no sistema nervoso. O idoso, muitas vezes, passa a fase 1 e cai na fase 2, com confusão mental. Você acha que ele está caducando, não falando coisa com coisa, mas pode ser um sintoma de baixa de glicose, está faltando glicose no cérebro. Depois da confusão mental, pode ter crise convulsiva e coma hipoglicêmico — adverte Araújo.
O que é diabetes
- Doença causada pela produção insuficiente ou pela má absorção de insulina, hormônio que regula a glicose no sangue e fornece energia para o organismo.
- O aumento do nível de açúcar na corrente sanguínea pode levar a complicações no coração, nas artérias, nos olhos, nos rins e nos nervos. Em casos mais graves, o diabetes pode matar.
Tipos de diabetes
Diabetes tipo 1
- Aparece geralmente na infância ou na adolescência, mas pode ser diagnosticado também em adultos.
- O pâncreas sofre um ataque do próprio sistema imunológico da pessoa: os anticorpos se voltam contra o órgão, passando a atacá-lo, e ocorre a perda da capacidade de produzir insulina.
- Doença aguda, mais perceptível. Em geral, o paciente emagrece sem motivo, sente fraqueza, passa a urinar diversas vezes ao dia e tem muita fome e sede.
- Corresponde a cerca de 5% a 10% do total de diabéticos no país.
- Tratamento inclui uso diário de insulina e/ou outros medicamentos para controlar a glicose.
Diabetes tipo 2
- Costuma ser diagnosticado entre os 40 e os 45 anos, mas pode aparecer antes.
- Ocorre quando o corpo não aproveita de forma adequada a insulina produzida pelo pâncreas.
- Antes, há o estágio chamado de pré-diabetes, quando a glicose já está alterada.
- Ao contrário do tipo 1, aparece silenciosamente.
- Tem relação com sobrepeso, obesidade, sedentarismo, triglicerídeos elevados, hipertensão, hábitos alimentares inadequados e envelhecimento.
- O indivíduo que engorda muito exige mais do pâncreas. A gordura aumentada na região da barriga produz substâncias que atrapalham a ação da insulina. Muitas vezes, o peso não é tão elevado, mas o indivíduo tem barriga. O excesso de peso atestado pelo índice de massa corporal (IMC) é importante, mas, às vezes, pessoas com IMC normal e muita gordura na barriga têm risco aumentado para o diabetes.
- Cerca de 90% dos diabéticos no Brasil têm o tipo 2.
- O acompanhamento médico cuida também das outras doenças que podem aparecer junto do diabetes.
Fatores de risco
- Diagnóstico de pré-diabetes
- Hipertensão
- Colesterol alto ou alterações na taxa de triglicerídeos
- Sobrepeso, principalmente se a gordura estiver concentrada em volta da cintura, e obesidade
- Maus hábitos, como sedentarismo e alimentação inadequada
- Histórico familiar (pais ou irmãos diabéticos)
- Doenças renais crônicas
- Apneia do sono (suspensão temporária da respiração enquanto dorme)
- Uso de medicamentos da classe dos glicocorticoides
Prevenção
- Prática regular de atividade física
- Alimentação saudável
- Evitar uso de álcool, tabaco e outras drogas
Fontes: Fernando Valente e Levimar Rocha Araújo, endrocrinologistas, Ministério da Saúde e Sociedade Brasileira de Diabetes