Por Idete Zimerman Bizzi, médica psiquiatra e psicanalista
Todo psicanalista conhece e eventualmente enfrenta, em sua clínica, um fenômeno chamado RTN, reação terapêutica negativa. É uma circunstância sempre surpreendente, paradoxal, envolta em níveis desconcertantes de violência emocional, pois no calcanhar dos passos de melhora, insight e amadurecimento psíquico, sobrevém um ímpeto destrutivo que se dirige manifestamente à pessoa do analista e que também – e principalmente – se dirige ao próprio mundo interno do paciente, em busca cega e louca de estraçalhar a incipiente coconstrução analítica. Em nossos consultórios, somos conclamados a reconhecer esses movimentos e desafiados a lidar terapeuticamente com essa onda de fúria inconsciente.
Como em qualquer catástrofe, o primeiro cuidado é conter danos, proteger os envolvidos e, a seguir, compreender a fonte e a força do furacão. Que ventos, vindos de onde e por que surgem bem agora, quando tudo parecia (e estava) melhor? Segundo Herbert Rosenfeld, eminente psicanalista inglês da escola de pensamento kleiniana, a pulsão de morte, destrutividade plena inerente a todo ser humano (em graus variados), eventualmente se utiliza de um recurso extremado chamado por ele de “gangue narcísica”.
Se a quimera humanística ainda não caducou, há que lembrar que a lógica do Hamas é destrutiva, não construtiva
Ludibriado pela gangue narcísica, como um grupo extremista dentro de si, uma máfia que promete proteção na esteira de ameaças, o indivíduo faz uma espécie de “pacto com o diabo” com seus próprios recônditos mais destrutivos, e sente a vida criativa como uma afronta e uma deslealdade à gangue. A melhora leva à piora, à loucura, ao ataque à construção mental.
No alvorecer daquele 7 de outubro de 2023, articulava-se um acordo de paz inédito no Oriente Médio entre a Arábia Saudita e Israel, que provavelmente seria um passo em direção à paz, ao fortalecimento de Israel e um passo em direção à construção do Estado palestino, que requer o suporte de um Oriente Médio estável.
Venceu e segue vencendo todos os dias, desde aquela horripilante manhã de outubro passado, a gangue narcísica, sedenta de sangue, que vive entranhada à cultura civilizada. Essa se alimenta dos reféns cativos, torturados e do estado de calamidade em Gaza. Se a quimera humanística ainda não caducou, há que lembrar que a lógica do Hamas é destrutiva, não construtiva; e há que lembrar que os países democráticos, como Israel e outros pelo mundo, sangram com lideranças extremadas.